Sócrates e Platão: precursores das ideias cristãs e do Espiritismo?

[Fabio Dionisi]

Teria sido Sócrates um precursor do cristianismo?
Não foi somente Kardec quem afirmou que Sócrates teria sido um precursor das ideias cristãs, mas os próprios cristãos, dos primeiros séculos, assim o disseram.
Quanto ao Mestre Lionês, podemos encontrar este estudo na introdução de O Evangelho segundo o Espiritismo.
Ao fazer um resumo do pensamento de Sócrates (c. 469-399 a.C.) e Platão (427-348 a.C.), Kardec traça um paralelo entre muitas de suas ideias com os conceitos principais do cristianismo, bem como os da Doutrina Espírita.
Mas, caros leitor e leitora, nada a estranhar que isso tenha ocorrido quatro séculos antes da chegada do Nosso Mestre.
Segundo Kardec, “as grandes ideias não irrompem de súbito. Depois, quando o tempo é chegado, Deus envia um homem com a missão de resumir, coordenar e completar os elementos esparsos, com eles formando um corpo de doutrina.”1 (p. 27-28)
Jesus não teria conseguido introduzir seus ensinamentos, se o terreno não estivesse preparado. Sem a vinda da 1ª Revelação, por meio de Moisés, e sem o desenvolvimento da inteligência e da nobre arte do pensar, através dos filósofos gregos da antiguidade, a semeadura teria sido em terreno árido.
Quanto à Igreja, Raeper sabiamente nos explica que “Sócrates foi julgado pela Igreja cristã quase como um cristão pré-cristianismo; por suas ideias e sua integridade, os primeiros pensadores cristãos tentaram adotá-lo como cristão.” 2 (p. 14)
Muitos poderiam objetar que o fizeram por desejarem se utilizar do platonismo para criar às bases da filosofia cristã, no afã de encontrarem eco favorável entre os pagãos da época, que seguiam o primeiro, e, principalmente entre os romanos, então senhores do mundo ocidental.
Como o platonismo, ou mesmo o neoplatonismo, que é decorrente do primeiro, era a base do pensamento filosófico até então, os Padres da Igreja procuraram criar um paralelo entre ambos para encantar as massas pagãs, refratárias ainda a uma doutrina que não continha um corpo filosófico próprio.
Mas não foi de todo assim…
“Isso ocorreu em parte porque o cristianismo desejava parecer respeitável aos olhos do mundo antigo, ao harmonizar-se com o pensamento grego e, em parte, porque Sócrates era uma pessoa notável.” 2 (p. 14)
Santo Justino (100-165 d.C.), o primeiro Padre da Igreja, chegou a falar de Sócrates, em sua segunda Apologia, como de um cristão que antecedeu à Jesus…
Simetria interessante entre a vida de Sócrates e a de Jesus
Tomaremos a liberdade de transcrever os principais tópicos desta semelhança.
Não que Allan Kardec quisesse comparar os dois, uma vez que, embora seja Sócrates um Espírito de escol, nada se compara à grandiosidade espiritual de Jesus Cristo. 1 (p. 28)

• Sócrates, como o Cristo, nada escreveu, ou, pelo menos, nenhum escrito deixou;
• Como o Cristo, teve a morte dos criminosos, vítima do fanatismo, por haver atacado as crenças que encontrara e colocado a virtude real acima da hipocrisia e do simulacro das formas; por haver, numa palavra, combatido os preconceitos religiosos;
• Do mesmo modo que Jesus, a quem os fariseus acusavam de estar corrompendo o povo com os ensinamentos que lhe ministrava, também ele foi acusado (…), por proclamar o dogma da unidade de Deus, da imortalidade da alma e da vida futura;
• Assim como a doutrina de Jesus só a conhecemos pelo que escreveram seus discípulos, a de Sócrates só temos conhecimento pelos escritos de seu discípulo Platão.
  Igualmente interessante registrar uma observação oportuna de Kardec a respeito do maior filósofo de todos os tempos: “Aos que considerarem esse paralelo uma profanação e pretendam que não pode haver paridade entre a doutrina de um pagão e a do Cristo, diremos que não era pagã a de Sócrates, pois que objetivava combater o paganismo”. 1 (p. 28)
  Teriam sido Sócrates e Platão precursores do Espiritismo?
  Contudo eles foram muito além, tanto Sócrates, quanto posteriormente Platão, que registrou o pensamento de seu mestre, e adicionou ao seu corpo os seus próprios pensamentos, ao ponto de se confundir, ainda hoje, o que pertence a um e ao outro.
  Além de anteverem as ideias que Jesus traria à humanidade terrestre, em seus pensamentos encontramos os princípios fundamentais do Espiritismo.
  Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, na sua introdução, encontramos uma lista com 21 tópicos que confirmam isso.
  Não os transcreveremos aqui, por motivos óbvios de falta de espaço, mas recomendamos sua leitura.
  Nada a se estranhar considerando-se que o Pai da Filosofia era assistido pelo seu daimon. Uma espécie de Espírito protetor, gênio, que havia sido designado para auxiliá-lo em sua missão terrestre.
  Missão sim, como Sócrates confirmou ao Espírito Humberto de Campos, numa entrevista no além, ocorrida em sete de janeiro de 1937.
  “Foi no Instituto Celeste de Pitágoras que vim encontrar, nestes últimos tempos, a figura veneranda de Sócrates, o ilustre filho de Sofronisco e Fenarete (…).” 3 (p. 155)
  Por ocasião deste encontro o conhecido Irmão X ousou fazer-lhe algumas perguntas para colher material a ser relatado à humanidade terrestre.
  Para uma delas, Sócrates lhe responde sobre sua colaboração para a vinda de Jesus Cristo. O que, diga-se de passagem, confirma o entendimento dos primeiros Padres da Igreja, de Allan Kardec, e de estudiosos e filósofos, de que Sócrates teria sido um precursor do cristianismo.
  “— Apesar dos milênios decorridos, tendes a exprimir alguma reflexão aos homens, quanto à reparação do erro que cometeram, condenando-vos à morte?
  — De modo algum. Méletos e outros acusadores estavam no papel que lhes competia, e a ação que provocaram contra mim nos tribunais atenienses só podia valorizar os princípios da filosofia do bem e da liberdade que as vozes do Alto me inspiravam, para que eu fosse um dos colaboradores na obra de quantos precederam, no planeta, o pensamento e o exemplo vivo de Jesus Cristo.” 3 (p. 156-157)
  Como diria um repórter: não é mesmo um furo de reportagem, caros amigos?
  Fiquem em Paz!

1 KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 64. ed. São Paulo: Lake, 2007.
2 RAEPER, William; SMITH, Linda. Introdução ao estudo das idéias: religião e filosofia no passado e no presente. 3. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2007.
3 XAVIER, Francisco Cândido. Crônicas de além-túmulo. Pelo Espírito de Humberto de Campos. 16. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2008.