Os “anjos decaídos” e a Doutrina Espírita
[Fabio Dionisi] fabiodionisi@terra.com.br
“Houve então uma batalha no céu: Miguel e seus Anjos guerrearam contra o Dragão. O Dragão batalhou, juntamente com os seus Anjos, mas foi derrotado, e não se encontrou mais um lugar para eles no céu. Foi expulso o grande Dragão, a antiga serpente, o chamado Diabo ou Satanás, sedutor de toda a terra habitada – foi expulso para a terra, e seus Anjos foram expulsos com ele (Apc, 12:7-9).” 1
Segundo o Apocalipse de João, trata-se da luta travada entre o anjo Miguel e Lúcifer e seus anjos, que, segundo a Doutrina Católica, resultou na teoria dos anjos decaídos. 2 (p. 188-190)
Segundo ela, alguns anjos se rebelaram contra Deus; por isso, foram expulsos do céu e condenados ao inferno.
“E se Deus não perdoou aos anjos que pecaram, mas tirados pelos calabres do inferno, os precipitou no abismo, para serem atormentados e tidos como de reserva até o juízo (2 Pedro, 2:4).” 3 (pag. 216)
Segundo a religião católica, expulsos do céu, estes anjos que caíram de seu alto estado, juntamente com Satanás (Lúcifer), são chamados anjos decaídos ou demônios.
Aqui, alguns pontos, verdadeiramente interessantes, precisam ser abordados.
Iniciemos com a definição de “anjo”, dada pela Igreja.
No capítulo Dicionário Prático, da Bíblia Sagrada, edição da Barsa, encontramos: “Anjos. Puros espíritos criados por Deus, provavelmente no mesmo tempo em que o resto da criação (…).” 3
Caro leitor, não existem anjos, seres a parte da criação, pois, se fossem criados perfeitos isso seria injusto para com as demais criaturas, igualmente criadas por Deus. Onde ficaria a justiça divina? Por que existirem seres que, sem esforço algum, teriam o direito de gozar de todas as dádivas divinas, isto é, do Reino dos Céus, enquanto os demais são constrangidos a um trabalho árduo de ascensão? Portanto, nada mais racional acreditar, como também nos ensina a Doutrina Espírita, que Deus deve criar todos iguais.
As castas são criações humanas, nunca de alguém perfeito como o Pai…
Além disso, se eram “anjos”, isto é, seres perfeitos, como poderiam falhar? Tampouco poderiam se rebelar… Deficiência esta encontrada apenas nos Espíritos em seus estágios iniciais e intermediários de evolução…
Também não compartilhamos com a crença sobre os anjos decaídos, uma vez que a Doutrina Espírita nos ensina que o Espírito pode evoluir, ou permanecer temporariamente estacionado, mas nunca regredir.
Dando continuidade, quanto aos Espíritos decaídos, Emmanuel diz no livro Roteiro 4, ditado ao Chico: “Os ‘anjos caídos’ não passam de grandes gênios intelectualizados com estreita capacidade de sentir. Apaixonados, guardam a faculdade de alterar a expressão que lhes é própria, fascinando e vampirizando nos reinos inferiores da natureza. Entretanto, nada foge à transformação e tudo se ajusta, dentro do Universo, para o geral aproveitamento da vida. A ignorância dormente é acordada e aguilhoada pela ignorância desperta.” 4 (p. 31)
Adicionalmente, em nossa obra: O Apocalipse de João, uma visão Espírita 2, vimos que Cairbar Schutel elucida, em seu maravilhoso livro: Interpretação Sintética do Apocalipse, que o Apóstolo João denominou de dragão o diabo, o satanás. 5 (p. 91)
Acreditamos que esta ideia de “anjos decaídos” deva ter sido desenvolvida na antiguidade para justificar a existência, já conhecida naqueles tempos, de seres tão pervertidos que só poderiam habitar os “Infernos”; definidos como tais na época, e que vivem a nos perturbar para que caíamos em desgraça como eles o estão… É de nosso entendimento que, desde os primórdios da existência humana, estes Espíritos, ainda voltados para o mal, já eram conhecidos, e que nossos ancestrais os denominaram de “anjos decaídos” do céu.
Tanto que Dante Alighieri se vale desta crença para retratar a própria origem do Inferno. Decidimos mencioná-lo, pois muito estudiosos do cristianismo afirmam que a consolidação de como os católicos visualizam o Inferno seja devido às imagens poéticas trazidos pelo poeta fiorentino; capturadas em sua Divina comédia.
“Se ao abismo descemos tenebroso, a lei se cumpre do alto, onde, em castigo, suplantara Miguel bando orgulhoso (Canto 7, vv. 10-12; Inferno).” 6
“Quem foi tão belo, quanto é feio agora, contra o seu criador a fronte alçando, vera causa é do mal, que o mundo chora (Canto 34, vv. 34-36; Inferno).” 6
Ah! Uma curiosidade, já que falamos em Miguel: este nome significa “Quem é como Deus?” 7 (p. 107)
Continuando, quanto ao Dragão, também se faz mister alguns esclarecimentos.
Para o venerando Espírito de Cairbar de Souza Schutel, para o Apóstolo João, dragão significava o diabo, satanás. 5 (p. 91)
Para o Espírito Estêvão: “Sendo, assim, o Apocalipse, também tem por objetivo possibilitar maior discernimento quanto à natureza e tática dos inimigos íntimos do homem, materializados nas forças de oposição e conhecidos como dragão, besta e falso profeta. O dragão, representação de todas as forças que se opõem ao progresso do mundo, sentiu-se reprimido e acuado pelas consequentes restrições impostas à sua atividade.” 8 (p. 20-21)
Considerando-se como dragão as forças do mal, ou seja, todos aqueles que ainda insistem em se posicionar contra as Leis Divinas, “essa batalha, que se deu no espaço (no céu), foi, pelo que se vê, decisiva. Os Espíritos aliados do Dragão, e que em hostes maléficas dominavam o mundo, ficaram uns presos à baixa atmosfera da Terra, outros encarnaram, e, pelas suas obras, se tornaram conhecidos e detestados de todos os homens de boa vontade, a quem não cessaram de oprimir.” 5 (p. 43)
Aqui, gostaríamos de colocar algumas considerações nossas.
Sabemos que, para a descida do Nosso Senhor Jesus Cristo ao orbe terrestre, foi necessário o confinamento dos Espíritos mais endurecidos, por mil anos. Este tema foi explicado pelo Espírito Miramez, na obra Francisco de Assis 9, ditado ao médium João Nunes Maia; por isso, assumiremos como conhecido.
Isto posto, quiçá, nesses versículos, o profeta de Patmos não quis aludir ao momento em que eles foram, gradativamente, permitidos reencarnar?
Faria sentido, pois sabemos que eles teriam que retornar à superfície terrestre para uma recapitulação de seus aprendizados, visando seu progresso e para terem mais uma oportunidade de redenção.
Como Deus é infinitamente justo, sabemos que todos terão a renovação da oportunidade da experiência terrestre (tiveram ou estão tendo…), para se redimirem de suas atitudes contrárias à vontade divina.
Após o cristianismo primitivo, não foi exatamente o que aconteceu?
Tanto que entramos na fase da Idade Média, a fase negra da História da humanidade terrestre. Seguida pelos descalabros que a Igreja cometeu, mesmo quando o Nosso Senhor Jesus Cristo procurou reverter a situação com os missionários que enviou, e que culminaram com a Reforma.
Não satisfeitos, os “anjos decaídos” (os dragões), que retornaram ao globo terrestre, após seu confinamento milenar, criaram vários movimentos, sucessivos, contrários ao Mestre dos mestres: as Cruzadas, a hedionda Inquisição, a Contrarreforma, etc.
Vejam, caros leitores, como a Doutrina Espírita é de uma riqueza ímpar!
Quanta coisa escrita, elucidada; só carecendo de nossa vontade para beber a água límpida desta fonte inesgotável de conhecimento e direção.
Fiquemos todos em paz, mas alertas…
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1 A Bíblia de Jerusalém. 9. ed. rev. São Paulo: Edições Paulinas, 1986.
2 DIONISI, Fabio. O Apocalipse de João. Uma visão Espírita. Ribeirão Pires: Editora Dionisi, 2018.
3 Bíblia Sagrada. Rio de Janeiro: Edição Barsa, 1965.
4 XAVIER, Francisco Cândido. Roteiro. Ditado pelo Espírito Emmanuel. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1980.
5 SCHUTEL, Cairbar de Souza. Interpretação sintética do Apocalipse. Matão: Casa Editora O Clarim, 1985.
6 ALIGHIERI, Dante. A divina comédia. Tradução de José Pedro Xavier Pinheiro. Ilustrada por Gustave Doré. São Paulo: Edigraf, 1958.
7 BORTOLINI, José. Como ler o Apocalipse. Resistir e denunciar. São Paulo: Paulus, 1994.
8 PINHEIRO, Robson. Apocalipse. Uma interpretação Espírita das profecias. Ditado pelo Espírito Estêvão. Contagem: Casa dos Espíritos, 2005.
9 MAIA, João Nunes. Francisco de Assis. Ditado pelo Espírito Miramez. Belo Horizonte: Editora Espírita Cristã Fonte Viva, 2002.