Caridade
[Simone Biaseto de Oliveira] monibiaseto@gmail.com
Se eu falar as línguas dos homens e dos anjos, e não tiver caridade, sou como o metal que soa, ou como o sine que tine. E se eu tiver o dom da profecia, e conhecer todos os mistérios, e quanto se pode saber; e se tiver toda a fé, até o ponto de transportar montes, e não tiver caridade, não sou nada. E se eu distribuir todos os meus bens em sustento dos pobres, e se entregar o meu corpo para ser queimado, se todavia não tiver caridade, nada disso se aproveita. A caridade é paciente, é benigna; a caridade não é invejosa, não obra temerária nem precipitadamente, não se ensoberbece, não é ambiciosa, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. Tudo tolera, tudo crê, tudo espera, tudo sofre. A caridade nunca jamais há de acabar, ou deixem de ter lugar as profecias, ou cessem as línguas, ou seja abolida a ciência. (Paulo, Coríntios, XIII: 1-7)
Jesus em todos os momentos de sua vida nos falou e exemplificou recomendações importantes para nos tornarmos pessoas mais felizes, enfatizando que, para tanto, é necessário o exercício da prática da mansidão, da humildade, da benevolência, da justiça, do perdão das ofensas, do amor, da caridade.
Colocou a caridade como a principal das virtudes. Por isso a máxima do Espiritismo: “Fora da caridade, não há salvação”. Por quê? Porque a caridade é uma virtude que para ser praticada engloba todas as outras, sendo ela a negação do orgulho e do egoísmo.
Em O Livro dos Espíritos, questão 886, é perguntado aos espíritos qual o verdadeiro sentido da palavra caridade como a entendida por Jesus. Ao que respondem: “benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições alheias, perdão das ofensas”. Logo, como diz Kardec, ela abrange todas as relações que temos com nossos semelhantes.
Na minha humilde opinião, caridade material não é sinônimo de esmola. Quando damos um trocado para alguém que nos pede, quase sempre estamos dando aquilo que nos sobra e de forma fria, sem um olhar mais apurado para sua real situação. E, dependendo das circunstâncias, pode até ser nociva, sendo utilizada para sustentar um vício ou permitir a exploração do trabalho infantil, nos tornando corresponsáveis.
Sendo assim, penso eu, se quisermos doar dinheiro ou alguma outra coisa material é sempre aconselhável conhecer o beneficiário da ação ou procurar instituições idôneas, a fim de garantir um bom resultado para a doação.
Podemos dizer que a caridade material é consequência da caridade moral ou espiritual. Porque a prática da verdadeira caridade provoca mudanças profundas na pessoa, pois ser caridoso (ou procurar ser) é um estado da alma. É um esforço contínuo de auto lapidação, de busca por atuações participativas e positivas em nosso habitat.
Se no nosso mundo ainda existem pessoas que necessitam pedir esmolas é porque nós estamos precisando aprender a praticar mais a verdadeira caridade. Como disse Emmanuel, em O Consolador: “a esmola é índice de ausência de espiritualização nas características sociais”.
Sitael, por meio da médium Marisa Rita, define caridade como sendo: “dar ao outro o que ele necessita naquele instante, sem humilhá-lo com ares de superioridade, ou criticá-lo pela situação em que se encontra, uma vez que já é bem difícil para aquele que sofre carregar seu próprio fardo. Poupa-o, portanto, de tuas observações pouco caridosas”[1]. Acrescento ainda, não se sentir credor do outro por ter estendido a mão, procurando ser empático, e fazer ao outro o que gostaria que ele lhe fizesse em situação similar.
Vejamos por exemplo a Previdência Social. Antigamente os idosos, deficientes e as pessoas que sofriam algum acidente e ficavam impedidos de trabalhar por algum tempo ou por toda a vida ficavam por conta da família. Que, naquela época, costumava viver sempre no mesmo lugar, sem possibilidades de mudança de cidade ou de função. Se o pai era lavrador, o filho seria, o neto, e assim por diante. Com a Revolução Industrial, começaram a se formar grandes indústrias em algumas cidades e as pessoas começaram a migrar para esses lugares em busca de uma vida melhor. Em consequência, as famílias se separaram, os idosos e deficientes foram ficando abandonados e a miséria foi aumentando ainda mais.
Então resolveram criar a Previdência Social Pública, como o nome já diz, para prover o sustento, a saúde e a assistência social. Os mais jovens trabalham e contribuem e tudo que é arrecadado é distribuído para as aposentadorias de quem já trabalhou. Essa é uma forma solidária de previdência, qualquer um pode usufruir dela, desde que contribua ou que tenha contribuído.
A nossa previdência social atual tem muitos defeitos e precisa ser melhorada, mas não piorada. Por que eu estou falando tudo isso? O que isso tudo tem a ver com caridade? Porque, como eu disse antes, a caridade material é uma consequência da caridade moral. Ter um sistema justo de assistência aos idosos e deficientes em uma sociedade é estar praticando a caridade. É estar respeitando essas pessoas pelo que já fizeram pela nossa sociedade, por pertencerem a ela. Não é um favor que fazemos porque somos bonzinhos, é uma obrigação. Sem esquecer que um dia, provavelmente, seremos idosos também.
Vale destacar, que a velhice não é um fracasso, não é motivo de se sentir incapaz, desvalorizado. É um período natural e aqueles que chegaram lá devem se sentir felizes por isso e não se julgarem perto do fim. Devem continuar participando da sociedade e não se deixar levar a margem dela. E nós não podemos esquecer que os atuais idosos de hoje, foram os jovens que tomaram conta de nós quando éramos crianças e não tínhamos condições de viver sem amparo, foram as pessoas que tocaram nossa sociedade para que ela continuasse existindo. Sendo assim, tratar o idoso com respeito e carinho também é praticar a caridade. Como disse antes, a verdadeira caridade provoca mudanças profundas na nossa maneira de agir, de ver a vida. Se quisermos ter nossa velhice amparada, sentimos vontade que todos tenham uma velhice amparada também. É desejar aos outros o que gostaríamos que os outros nos desejassem. E se os idosos de hoje conseguiram conquistar a previdência que temos atualmente é nossa obrigação ao menos conservar o que eles construíram, tentando melhorá-la, se pudermos.
No nosso dia a dia, encontramos várias oportunidades de exercitar a caridade: em casa, no serviço, na comunidade onde vivemos. Se alguém nos ofende e nós não revidamos, já estamos praticando caridade; ouvindo alguém que precisa desabafar, não julgando as atitudes dos outros, rezando, plantando uma árvore, ajudando a preservar as que temos, fazendo um trabalho voluntário, não falando mal dos outros, enfim, aproveitando todas as oportunidades que a vida oferece para fazermos algo de útil por nós e por todos.
Ouviram falar da história do beija-flor que trazia gotinhas de água no bico para apagar o incêndio na floresta?! Pois é… nós temos que dar uma de beija-flor e fazer a nossa parte, dando a nossa contribuição para o mundo em que vivemos, procurando desenvolver essa virtude sublime.
Mãos à obra!
[1] Fonte, Marisa Rita Keck da Silva de. Pequeno Manual de Sobrevivência Para os Dias Atuais. 1ª ed. Santo André, SP: Elifas Alves, 2001. p. 85