Não há sabedoria sem amor nem caridade

[Fabio Dionisi] fabiodionisi@terra.com.br

Decidimos desenvolver este tema a partir de uma mensagem de um dos mais famosos pensadores do Iluminismo, Françoi-Marie Arouet, mais conhecido pelo seu pseudônimo Voltaire (1694-1778). Ela encontra-se na Revista Espírita 1, com o título “Os dois Voltaire”.
Grande defensor da liberdade do pensamento, entre outras, disse uma frase que se tornaria célebre: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você me diz, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”. 2 (p. 158)
Contudo, se acertou no conteúdo, errou na forma, segundo seu depoimento.
Mensagem de Voltaire
“Sou bem eu, mas não mais aquele Espírito zombador e cáustico de outrora; o pequeno reizinho do século dezoito, que comandava, pelo pensamento e o gênio, a tantos grandes soberanos, hoje não tem mais sobre os lábios aquele sorriso mordaz que fazia tremer inimigos, e mesmo amigos! Meu cinismo desapareceu diante da revelação das grandes coisas que eu queria tocar e que não as soube senão no além-túmulo!”
Continuando, Voltaire pede aos homens para que se calem, humilhem-se diante do poder de Deus. E que não percam tempo buscando entender quem e o que é Deus, uma vez que nossos recursos são tão limitados que nossa razão nem é capaz de entender o átomo e o grão de areia.
Lamenta ter desperdiçado sua vida a procurar e a conhecer Deus e seu princípio; ao ponto de, embora não tenha chegado a negar Deus, passar-lhe despercebido a sua glória, poder e grandeza.
Confessa que a sua intuição bem que o alertava, mas não quis escutá-la, tornando-se apóstolo de uma doutrina equivocada. “Sabeis por quê? Porque no tumulto e no fracasso de meus pensamentos (…), não via senão uma coisa: meu nome gravado no frontão do templo de memória das nações!” 1 (p. 159)
Ato contínuo, pede que acreditem que a verdade só pode ser encontrada quando nos desvestimos da vaidade, do amor-próprio e do tolo orgulho.
Informa que o Voltaire daquele século não existe mais, pois tornou-se mais cristão. Lamenta ter-se perdido no mundo do pensamento. Diz que sofre até hoje, em virtude dos erros, mormente porque “tinha por missão instruir e esclarecer; primeiro o fiz, mas a minha luz se extinguiu em minhas mãos na hora marcada para a luz!” 1 (p. 160)
Após concluir sua comunicação, é a vez de Santo Agostinho falar: “Filhos, deixei falar em meu lugar um dos vossos grandes filósofos, principal chefe do erro; quis que viesse vos dizer onde está a luz; que vos pareceu ele? Todos virão repetir-vos: Não há sabedoria sem amor nem caridade; e dizei-me, que doutrina mais suave para o ensinar que o Espiritismo? (…) O amor e a caridade são as duas virtudes supremas que unem, como o disse Voltaire, a criatura ao Criador (…). Oh! Que mistério (…)! Minhoquinha, verme da terra que pode se tornar de tal modo poderoso, que sua glória tocará o trono do Eterno!” 1 (p. 160)
O primeiro Voltaire
Escritor, ensaísta, deísta e filósofo francês, ficou conhecido pela sua perspicácia e espirituosidade na defesa das liberdades civis, incluindo à religiosa. Polemista satírico, frequentemente fez uso de suas obras para criticar a Igreja Católica e as instituições francesas. Ficou conhecido pelas suas duras críticas às monarquias absolutistas, aos privilégios do clero e da nobreza.
Contudo, infelizmente excedeu-se no trato pessoal… Mas, isso não foi tudo.
Para começar, contextualizemos no aspecto filosófico, uma vez que ele é classificado como tal, embora nem sempre mencionado nos livros de Filosofia.
Segundo Julián Marías, em sua obra História da Filosofia 3, seu êxito e sua influência foram ímpares no século XVIII. Tendo sido um dos mais lidos escritores daquela época. Embora seja considerado um filósofo e escritor, Marías não o reputa tão excelente filósofo como o foi como escritor e historiador.
Não estamos aqui para julgar esta posição, por não termos cabedal para isso, mas decidimos capturar seu pensamento, pelo que Julián Marías acrescenta quanto a posição de Voltaire sobre a religião: “Voltaire é um excelente escritor. Com ele a prosa francesa atingiu um de seus picos; é extremamente perspicaz, engenhoso e divertido. Seus contos e novelas, em particular, acusam um esplêndido talento literário. Filosoficamente a coisa é outra (…). Voltaire não tem verdadeiro interesse filosófico. Suas críticas irreligiosas, que em sua época foram demolidoras, nos parecem hoje ingênuas e inofensivas. Teve uma falta de visão total no que se refere à religião e ao cristianismo (…). Não só por atacar o cristianismo, mas por fazê-lo com uma superficialidade absoluta, desde uma posição anticlerical, sem nenhuma consciência da verdadeira questão.” 3 (p. 288-289)
Sempre irônico e vibrante, destacou-se pelas críticas que fez à prepotência dos poderosos, ao clero católico e à intolerância religiosa. Apesar de toda a crítica acerba contra o clero e o cristianismo, e contra a intolerância religiosa, ele aceitava a existência de Deus mais por uma questão de necessidade do homem do que por Fé mesmo, uma vez que concordava com certa necessidade social da crença em Deus; chegando a dizer que se Deus não existisse, seria necessário inventá-lo. 2 (p. 158)
Voltaire expõem seu pensamento na sua obra mais conhecida: Cândido.
Reflexões sobre as duas mensagens
Na primeira mensagem, Voltaire confessa seus enganos; segundo ele, frutos de seu orgulho e de sua vaidade.
Desejar o reconhecimento humano, ansiar por uma posição de destaque no panteão das glórias efêmeras, vaidades que não o deixaram reconhecer o erro que sua própria consciência avisava. O orgulho que, só por ser um gênio do pensamento, o fazia supor superior aos demais, tornando-o um Espírito zombador, cáustico, mordaz, cínico, a destratar inimigos e ser temido pelos próprios amigos. O mesmo orgulho que o fez rebaixar Deus à uma necessidade prática do ser humano, negando-lhe sua glória, poder e grandeza.
Um gênio, como mente, mas profundamente carente, como cristão, pela falta de amor e caridade para com o próximo.
Mas, felizmente, como sói acontecer com a esmagadora maioria, François Marie Arouet não existe mais, renascido que está como o Voltaire que deveria ter cumprido a missão de ins-truir e esclarecer.
Pela misericórdia infinita, eis que retorna, mesmo que por instantes, para pedir que esqueçamos o que fora, que não o copiemos, e para esclarecer que procuremos a luz da verdade, e não a da glória temporal.
Na segunda comunicação, Santo Agostinho, que cedera seu lugar ao filósofo Iluminista, complementa os ensinamentos do novo Voltaire, com um alerta para todos aqueles que são dotados de muita instrução e inteligência: “Não há sabedoria sem amor nem caridade; (…) o amor e a caridade são as duas virtudes supremas que unem, como o disse Voltaire, a criatura ao Criador”.
Sua última frase carece de muita atenção: “Oh! Que mistério (…)! Minhoquinha, verme da terra que pode se tornar de tal modo poderoso, que sua glória tocará o trono do Eterno!”
Caros leitores, não a glória e o poder temporais e inúteis, que os sábios e gênios almejam alcançar com suas inteligências e conhecimentos, mas a glória e o poder eternos, que os humildes alcançarão através do amor e da caridade… uma vez que são essas as duas únicas virtudes que unem a criatura ao seu Criador.
Não foi o que Jesus ensinou, quando disse, ao Fariseu que o tentou, que o maior mandamento da Lei é amar a Deus acima de todas as coisas, e o segundo, parecido com o primeiro, o de amar ao próximo como a si mesmo; completando, com muita profundidade, que nesses dois mandamentos encontra-se toda a Lei e os Profetas. (Mt, 22:37-40)
Em outra ocasião, repete o conceito ordenando-nos que nos amemos uns aos outros, como Ele nos amou. (Jo, 15:12-13 e 15:17)
Fiquemos na paz que o Cristo nos deixou.


1 KARDEC, Allan. Revista Espírita. Jornal de estudos psicológicos. 2. ed. Araras, São Paulo: Instituto de Difusão Espírita, 1993. Maio. 1862.
2 COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: História e Grandes Temas. 16. ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2006
3 MARÍAS, Julián. História da Filosofia. 1. ed. SP: Martins Fontes, 2004.

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