Destino ou merecimento?
[Carlos Eduardo Cavalini] carloseduardo.cavalini@hotmail.com
“Em uma terra distante, há muito tempo, existiram dois homens ricos. Certo dia, levantaram a seguinte questão: será o homem o próprio arquiteto de sua vida ou tudo aquilo que alcança é obra do destino? Decidiram, então, fazer um teste e escolheram um amigo pobre, porém honesto, e um deles colocou em suas mãos um pequeno capital, alguns anéis e joias, equivalente ao que seria hoje a quantia de cinquenta mil reais. O pobre homem afirmou que investiria o capital e se tornaria uma pessoa rica. Ao ver aquela quantia toda em suas mãos, sentiu um êxtase e, em casa, procurou escondê-la em local seguro: amarrou as joias em um pano e colocou dentro de uma velha jarra de farelo. No dia seguinte foi trabalhar. Sua mulher, precisando de certas ervas e sem dinheiro para comprá-las, trocou a jarra com um vendedor ambulante. Após quase um ano, os dois homens ricos retornaram para verificar o que tinha acontecido. O pobre homem contou o ocorrido e disse que havia recaído na miséria. Desta vez, o outro senhor, que não era tão rico quanto o primeiro, afirmou que só poderia lhe dar um pedaço de chumbo, desses usado em redes de pescaria. O homem, desanimado, acabou aceitando. Na manhã seguinte, um pescador vizinho reparou que faltava um pedaço de chumbo em sua rede. O humilde homem, solícito, entregou-lhe o que tinha ganhado. O pescador, grato, afirmou: tudo o que eu conseguir na primeira vez que jogar a rede será seu! Apanhou um peixe grande e entregou-lhe. Sua mulher, ao cortar o peixe, encontrou uma bola de vidro do tamanho de um ovo de pomba. Um joalheiro a comprou, pagando uma quantia imensamente mais alta do que o que valia as joias que havia recebido de seu amigo meses atrás. Tornou-se um homem fabulosamente rico, parou de trabalhar, construiu uma belíssima casa e passou a dar todo o conforto para sua família. Após longos meses, os dois amigos ricos vieram ao seu encontro. Os três conversavam animadamente quando um dos empregados do que agora se tornara rico entrou trazendo nas mãos uma velha jarra de farelo, comprada para um dos cavalos. Imediatamente o homem a reconheceu, encontrando no fundo dela as joias dispostas exatamente como havia escondido. Então, o rico senhor que havia lhe dado as joias, recitou: ‘Quando o destino for generoso para contigo, seja generoso para com os outros. Nem a liberdade te perderá se ele for favorável; nem a parcimônia te salvará, se ele for adverso’.”
Este conto é uma adaptação de uma das estórias do livro “As Mil e Uma Noites” e ilustra bem uma questão de tempos remotos, presente em praticamente todas as culturas: o homem é dono do seu destino ou ele já está traçado desde o seu nascimento? Se dizemos que o homem é livre para planejar e alcançar tudo o que deseja, o que pensar das pessoas que, apesar de todos os seus esforços, sempre se deparam com obstáculos que as impedem de seguir adiante? Culpa do destino ou da falta de sorte? E se o destino já está previamente determinado, onde está o nosso livre arbítrio? Estamos diante de um paradoxo e talvez seja impossível chegarmos a um acordo ou compreensão enquanto ainda não estivermos alcançado certo nível de consciência. Infelizmente — e eu me incluo nesta afirmação — ainda nos deixamos levar por condicionamentos e hábitos enraizados que nos impedem de enxergar a verdade sobre nós mesmos. Estamos adormecidos e, sem o saber, atraímos o destino que nós mesmos determinamos. O que vivemos agora foi traçado por nós no minuto anterior. Nossa decisão já foi tomada e já fizemos nossa escolha. O destino é transformado de instante a instante e nós o escrevemos de forma inconsciente. Agora, nesse exato momento, estamos “criando” nossa “realidade futura”. E as frases do homem rico do conto acima poderiam ser reescritas de outra forma: “Quando o destino for generoso para contigo, seja generoso para com os outros. Quanto mais generoso for, mais atrairá a energia da generosidade para ti e, desta maneira, transformará positivamente o seu destino”.