EDITORIAL No. 118 (Dezembro, 2023) – “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja”

Fabio Dionisi   |  fabiodionisi@terra.com.br

Nas regiões de Cesareia de Filipe encontramos uma passagem das mais importantes para Simão Pedro, a revelação feita pelo próprio Mestre: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do hades (a) não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do reino dos Céus, e tudo que ligares sobre a terra, estará ligado nos céus; e tudo que desligares sobre a terra, estará desligado nos céus (Mt, 16:18-19).” 1

Iniciemos esclarecendo quanto ao verdadeiro significado da palavra igreja (b), e de como estas palavras do Nosso Senhor Jesus Cristo foram mal interpretadas, ou, deliberadamente, mal usadas.

A este respeito, aproveitamos para mencionar o grande estudioso filósofo brasileiro Espírita, J. Herculano Pires. No seu livro Revisão do Cristianismo 2 (p. 30), ele chama nossa atenção para o fato de que, embora Jesus tenha nascido judeu e sido formado na educação judaica das sinagogas, portanto, poderia ter sido condicionado pela tradição bíblica, desde o início do seu ministério, mostrou-se um revolucionário e um rigoroso crítico das exterioridades rituais, por sinal comerciáveis, do Templo de Jerusalém. Tanto que preferiu agir como um rabino popular independente, sem se submeter a uma ordenação formal, portanto, violando as leis do rabinato e, indo além, condenando-as abertamente.

De fato, o Senhor “não instituiu fórmulas novas e nem fundou qualquer igreja.” 2 (p. 30)

Na mesma obra, quando fala sobre a Reforma, J. Herculano Pires lembra-nos de que o próprio Lutero lutou pela extinção de todos acessórios que a Igreja Católica havia incorporado ao longo dos séculos, justamente porque o Cristianismo iniciara, precisamente, como uma reforma do Judaísmo reinante, objetivando depurar o culto judaico, que, na fase auge do Farisaísmo dominante, havia atingido uma espantosa saturação de normas e formas, impondo como deveria ser a relação do homem com Deus. 2 (p. 30)

O venerando Cairbar Schutel também fez oportunas considerações a respeito: “Jesus foi o maior revolucionário que apareceu no mundo (…). Ele foi escolhido no Conselho Supremo para trazer a Lei da Reforma social à Terra (…). A revolução operada pelo Cristianismo é tão substancial e maravilhosa que chegou a fechar uma época da História pois antes dele predominou (…) a Lei Mosaica, mal interpretada pelos detentores do poder”, no Judaísmo. 3 (p. 112-113)

Voltando, agora, ao humilde pescador de Cafarnaum, precisamos considerar que, após a crucificação do Mestre Amado, Simão Pedro seria o ponto de partida para a difusão das pregações evangélicas. Tanto que, logo após a ascensão de Jesus, encontraremos Pedro em Jerusalém, “como centro irradiador de forças espirituais e de ensinamentos para o cristianismo nascente. E, mais tarde, ao lado de Paulo em Roma, Pedro articula os trabalhos evangélicos que se desenvolviam na grande cidade (…). 4 (p. 155)

Jesus confiou a Pedro a orientação dos primeiros passos do Cristianismo nascente, bem como a direção dos primeiros trabalhos da disseminação da Boa Nova, justamente devido à sua fé franca e sincera, sua coragem de lutar e ao seu espírito ponderado e humilde. 4 (p. 155)

Apesar de suas três negações, de ter titubeado nos derradeiros momentos da paixão e crucificação do Mestre, de ter praticamente se escondido com medo da reação dos judeus, até que Jesus convivesse com seus discípulos por quarenta dias, restabelecendo a fé e a coragem do grupo, Pedro assumiu naturalmente a liderança do grupo, mesmo sem desejá-la.

“Após quarenta dias de convivência espiritual com Jesus, a confiança voltava a reinar forte em seus corações.” 5 (p. 18)

Quando Jesus pediu que apascentasse suas ovelhas, após ter-lhe perguntado por três vezes se o amava, ficou bastante claro que o Senhor havia passado a liderança do grupo para Pedro.

Angelo Comastri, em Ti chiamerai Pietro, resume literalmente o pedido de Jesus: “Foi uma ordem, foi uma consignação, foi um compromisso. Foi um serviço: o serviço difícil e indispensável de liderar todo o grupo…” 6 (p. 109)

Embora, as coisas não foram assim tão retilíneas…

Maria de Nazaré, com toda sua grandeza espiritual e por ter sido a mãe do Mestre Amado poderia ter exercido esta liderança, se os tempos fossem outros…

Acompanhando o raciocínio de Tag Tessore, e concordando com ele, dois eram os pilares desta pequena comunidade: “Maria, a mãe de Jesus e Pedro, que o Senhor mesmo o havia designado para guiar os discípulos.” 7 (p. 69)

Contudo, como era comum naquela época, Maria não devia aparecer, uma vez que a sociedade era machista e sempre se atribuía ao homem o papel predominante e de exposição ao meio. Tanto que nem os Atos dos Apóstolos e nem as Cartas dos Apóstolos fazem menção a ela. 7 (p. 70)

Curiosamente, num documento apócrifo, o Evangelho de Bartolomeu, encontramos passagens que atestam o que acabamos de narrar. 8 (p. 275-291)

Só para tomarmos uma passagem, onde os Apóstolos pediram a Maria que liderasse às orações do grupo, colocando-se todos de pé atrás dela, não aceitando a liderança que lhe procuravam imputar, Maria disse a Pedro: “— E tu, Pedro, que és chefe e grande pilar, estás de pé atrás de nós? Pois não disse o Senhor que a cabeça do varão é Cristo e a da mulher é o varão?” 8 (p. 285)

Por falta de espaço, abster-nos-emos de transcrevê-las todas, mas podem ser constatadas na referência que acabamos de deixar ao caro leitor.

Para concluirmos nossos breves comentários sobre a passagem de Mateus, com a qual iniciamos nossas reflexões, resta-nos tecer algumas considerações adicionais sobre a questão das chaves que Jesus daria a Pedro e da expressão ligares e desligares.

A chave aparece, por diversas vezes, na Bíblia. Dela se fala como símbolo de poder.

“Em Is, 22:22, o colocar uma chave nos ombros de alguém significa dar-lhe um novo poder. No Apocalipse, diz-se que Cristo tem ‘as chaves da morte e do inferno’ (Apc, 1:18), isto é, o supremo poder de livrar da morte e do inferno ou de infligir a morte e o inferno sobre os culpados, e a ‘chave de Davi’ (3:7), isto é, a autoridade suprema no reino messiânico”. 9 (p. 53)

Quando Cristo disse que daria uma chave a Simão Barjonas, deu-lhe, em outras palavras, a autoridade suprema, dentro do contexto da difusão da Boa Nova; como de fato ocorreu, após seu desencarne.

Segundo Francesco Gioia: “A terceira imagem do binômio ligar-desligar é uma alusão às responsabilidade doutrinárias e espirituais de Pedro. Nas escolas rabínicas, a expressão ‘ligar e desligar’ significa ‘declarar verdadeira ou falsa’ uma determinada interpretação da lei, quando não, considerar ‘lícito ou ilícito’ um dado comportamento. O termo ‘desligar’ está para ‘liberar’, ‘permitir’, enquanto ‘ligar’ significa ‘impedir’.” 10 (p. 52)

Uma última observação, antes de nos despedirmos. Há muito mais a ser dito sobre este pilar do Cristianismo nascente! 11 e 12

Enfim, fiquem na PAZ!

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(a) “Hades: trata-se do submundo, o mundo dos mortos, segundo a literatura grega.” 1 (p. 101)

(b) “Igreja: lit. ‘assembleia (popular, dos anfitriões em Delfos, de soldados etc.); lugar da assembleia’, e por extensão: a congregação dos filhos de Israel; a comunidade cristã; o local das reuniões (igreja).” 1 (p. 101)

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1 O novo testamento. Tradutor Haroldo Dutra Dias. Brasília (DF): CEI, 2010.

2 PIRES, J. Herculano. Revisão do Cristianismo. São Paulo: Paidéia, 1996.

3 SCHUTEL, Cairbar. O Espírito do Cristianismo: Espiritismo. Matão, SP: Casa Editora O Clarim, 1980.

4 RIGONATTI, Eliseu. O Evangelho dos Humildes. São Paulo: Editora Pensamento, 1993.

5 CAVALCANTI, Sergito de Souza. A casa do caminho, e os primeiros cristãos. Santa Luzia: Editora Cristo Consolador, 2008.

6 COMASTRI, Angelo. Ti chiamerai Pietro. Autobiografia del primo papa. Milano: San Paolo, 2009.

7 TESSORE, Dag. San Pietro, un uomo alla ricerca di Dio. Roma: Città Nuova Editrice, 2007.

8 Apócrifos: os proscritos da Bíblia. Compilados por Maria Helena de Oliveira Tricca. São Paulo: Mercuryo, 1992.

9 Bíblia Sagrada. Edição Barsa para a família católica. Novo Testamento. Rio de Janeiro: Barsa, 1965. Dicionário Prático.

10 GIOIA, Francesco. Pietro, L’Apostolo che rinnegò Gesù ma lo amò più degli altri. Libreria Editrice Vaticana, 2005.

11 DIONISI, Fabio. Pedro, Simão Barjonas. O Apóstolo. Ribeirão Pires: Editora Dionisi, 2023.

12 DIONISI, Fabio. O Apóstolo Pedro. Uma leitura Cristã e Espírita. Ribeirão Pires: Editora Dionisi (lançamento em 2024).

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O autor é editor, articulista, escritor, palestrante, jornalista; responsável pelo CE Recanto de Luz – Pronto Socorro Espiritual Irmã Scheilla, em Ribeirão Pires (SP). www.irmascheilla.org.br

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