Uma comparação entre as leis de Talião, Contrapasso e Causa e Efeito

Fabio Dionisi   |   fabiodionisi@terra.com.br

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Caro leitor, das três iniciaremos pela menos conhecida: a lei do contrapasso, também denominada reciprocidade de ação.

Na Suma Teológica 1 de São Tomás de Aquino, no Art. 4 (Se o justo é absolutamente o mesmo que a reciprocidade de ação), da Questão 61 (Summa Theologiae, II-II, q. 61, a. 4, Co.), contrapasso encontra-se definido como reciprocidade de ação ou ação recíproca; e registrando que “o que se chama reciprocidade de ação implica numa igualdade de recompensa entre a paixão e a ação que a precedeu. O que (…) se diz das paixões e ações injustas, pelas quais lesamos à pessoa do próximo; assim, se a ferirmos, devemos ser feridos. E esta forma da justiça está determinada pela lei antiga. Dará vida por vida, olho por olho. E sendo também uma ação injusta privar outrem do que lhe pertence, por isso, emprega-se, relativamente a esse caso, e em sentido secundário, a expressão reciprocidade de ação, para significar que quem causou um dano a outro deve também sofrê-lo no que é seu.” 1

Valendo a importante ressalva que esta justiça é exercida por Deus, não podendo ser executada por quem sofreu o dano.

Quanto à pena de talião, na Bíblia Sagrada da Barsa, no Dicionário Prático encontramos: “Antiga lei penal que condena o culpado a sofrer o mesmo dano que causou com seu delito: ‘vida por vida, olho por olho, dente por dente’ (…) (Ex. 21, 23ss).” 2 (p. 261)

Neste caso, ao contrário do contrapasso, o prejudicado tem o direito de executar a punição.

Chegamos ao momento de fazermos uma relação entre as duas primeiras leis com a Doutrina Espírita, e, portanto, com a lei da causa e efeito.

“Para a Doutrina Espírita a lei da causa e efeito está (…) relacionada aos atos humanos, mas a manifestação da lei de causa e efeito reflete apenas a escolha de provas definidas no planejamento reencarnatório: (…) tais provas estão sempre em relação com as faltas que deve expiar (…). Allan Kardec: O livro dos Espíritos, Q. 399.” 3 (p. 216)

Embora muitos considerem esta lei como um sinônimo da pena de talião, há uma diferença importante entre as duas.

“Pena de talião: consiste na rigorosa reciprocidade que existe entre o crime e a punição — apropriadamente chamada retaliação. Esta lei, frequentemente expressa pela máxima olho por olho, dente por dente, é uma das mais antigas leis conhecidas, cujos indícios foram encontrados no Código de Hamurabi [escrito por Hamurabi, na Babilônia, em 1780 a.C.].” 3 (p. 218)

Para nós, Espíritas, sabemos que a lei de talião desconsidera as causas e possíveis atenuantes, e tampouco leva em questão o perdão. “Obviamente, que a todo erro ou crime cometido segue-se a reparação, mas não da forma tão radical explicitada pela lei de talião.” 3 (p. 218)

Moisés, que veio para nos trazer a lei da justiça, ensinava o olho por olho, dente por dente, mas, Jesus esclareceu-nos que o amor cobre a multidão dos pecados; portanto, a justiça divina está sempre associada à misericórdia.

Muitas questões estão envolvidas na aplicação da lei de causa e efeito.

Na balança divina são levadas em consideração: (a) o bem que realizamos, (b) a vontade de reparar os erros cometidos, compensar os prejuízos criados, (c) atenuantes como a intenção do indivíduo, o grau de conscientização, saúde mental, saúde psicológica, influenciação espiritual ou mesmo obsessão.

Enfim, cada caso é um caso; mas, a lei de causa e efeito está diretamente relacionada à noção que se tem da justiça e, mais ainda, da justiça divina. 3 (p. 221)

Quanto ao bem que realizamos, o Espírito Emmanuel ensina: “A lei de talião prevalece para todos os Espíritos que não edificaram ainda o santuário do amor nos corações (…). (…) o profeta hebraico apresentava a Revelação como face divina da Justiça; mas, com Jesus, o homem do mundo recebeu o código perfeito do Amor. Se Moisés ensinava o ‘olho por olho’, Jesus Cristo esclarecia que o ‘amor cobre a multidão dos pecados’.” 4 (p. 187)

Para terminarmos, pontuaremos algumas características da lei de causa e efeito: (1) mesmo que não tenhamos um bom entendimento do processo de ação-reação, e tampouco noção exata das consequências dos seus atos, a nossa consciência nos alertará que cometemos um erro contra a Lei de Deus, (2) a voz da consciência é o mecanismo regulador da vida; assim como avisa quando estamos equivocados, também sinaliza quando estamos em ordem com a Lei divina, (3) nossos desacertos são reparados por meio de provações, nesta reencarnação ou nas próximas, sob a égide do amor-justiça-misericórdia divinos, (4) nos processos reencarnatório são definidos os processos de reparação, (5) estes não são inflexíveis, uma vez que podem ser atenuados pela vivência do amor ao próximo (o amor que apaga a multidão dos pecados); e que, portanto, podem modificar o programa reencarnatório, (6) em cada período reencarnatório, a manifestação da lei de causa e efeito refletirá: (a) as provas que foram definidas (ou impostas) pelos Espíritos responsáveis por nossa reencarnação, (b) as provas que pedimos e foram autorizadas por estes Espíritos, (c) as provas propostas pelos coordenadores reencarnacionista e aceitas pelo reencarnante, e tais provas estão sempre em relação com as faltas que o Espírito deve expiar. 3 (p. 223-224)

Nosso leitor poderá objetar que na esmagadora maioria das vezes, o reencarnante não lembra de nada, portanto, como pode saber o porquê do sofrimentos atual? 

Em O livro dos Espíritos, na Q. 399, Allan Kardec nos fornece a resposta: “O esquecimento das faltas cometidas não é obstáculo à melhoria do Espírito, porque, mesmo que não se lembrando delas com precisão, o fato de as ter conhecido na erraticidade e o desejo de repará-las o guia por intuição e lhe dá o pensamento de resistir ao mal. Esse pensamento é a voz da consciência, secundada pelos Espíritos que o assistem, se escuta as boas inspirações que lhe sugerem.”

Estudando o que passa, pode saber, com bom grau de precisão, de que falta está se redimindo…

Mas, novamente, o senhor poderá objetar, perguntando-nos: e para aqueles casos em que a expiação foi compulsória, sem o conhecimento e o aceite do reencarnante?

Como o leitor muito bem colocou, trata-se de uma expiação. O aprendizado será pela dor. Sentindo na “própria pele” as consequências de seus atos, mesmo que não tenha a mínima noção do porquê, terá o ensejo de não desejar o mesmo para quem quer que seja. Terá aprendido a não fazer ao próximo o que não gosta que seja feito com ele; e, caso não entenda da primeira vez, passará por quantas vezes sejam necessárias para “cair a ficha” e deixar de prejudicar o próximo naquele quesito em específico.

Para fazermos um sumário do que pudemos aurir de tudo o que foi escrito até aqui:

1)  Na lei de talião, Moisés concedia o direito de vingança para quem fosse prejudicado; sem abordar a questão de que numa reencarnação futura haveria consequências ao delituoso, pelo prejuízo que ele ocasionou. A vingança era pessoal. Além disso, portanto, inexorável; sem escapatória.

2)  Na lei do contrapasso (reciprocidade de ação ou ação recíproca), da teologia cristã após Jesus Cristo, mormente à de São Tomás de Aquino, a própria lei divina é que pune o culpado; não sendo permitida a vingança pessoal. Novamente, inexorável e sem escapatória.

3)  Na lei da causa e efeito, da Doutrina Espírita, temos que a Lei Divina, para quem não se arrepende do que fez, impõem o mesmo prejuízo (expiação); porém, para os que se arrependam e queiram compensar os prejuízos causados, possam através ‘do amor que cobre a multidão dos pecados’, realizar esta compensação sem a dor da expiação. Não sendo permitido, ao prejudicado, realizar esta compensação…

Fiquem na paz que Jesus procurou nos ensinar.

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1 Suma Teológica. [Disponível em:<https://sumateologica.wordpress.com/wp-content/uploads/2017/04/suma-teolc3b3gica.pdf> Acesso em 01 jul. 2024.]

2 Bíblia Sagrada. Edição Barsa para a família católica. Rio de Janeiro: Barsa, 1965.

3 EADE. Estudo aprofundado da Doutrina Espírita. Filosofia e ciência espíritas. Livro 5. Brasília: FEB, 2017.

4 XAVIER, Francisco Cândido. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. Brasília: FEB, 2023.

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O autor é editor, articulista, escritor, palestrante, jornalista; responsável pelo CE Recanto de Luz – Pronto Socorro Espiritual Irmã Scheilla, em Ribeirão Pires (SP). www.irmascheilla.org.br

Um comentário em “Uma comparação entre as leis de Talião, Contrapasso e Causa e Efeito

  • 6 de agosto de 2024 em 15:41
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    Parabéns Fábio pela escrita. Eu estou sempre lendo todos os textos que escreve.Gratidao por me participar desta dádiva.

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