O Espírito sopra onde quer…

Fabio Dionisi [fabiodionisi@terra.com.br]

“O espírito (a) sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai; assim é todo aquele que foi gerado do espírito” (João, 3:8)

O encontro entre Nicodemos e Jesus, descrito por João, no capítulo 3 do seu Evangelho, é de uma riqueza ímpar, tanto sob o ponto de vista literário/poético, quanto pelos ensinamentos que Jesus deixou durante sua conversa com o Fariseu, líder dos Judeus, Mestre de Israel (b).

Na época, com certeza, poucos estavam aptos para entender tais ensinamentos do Nosso Amado Mestre; e, não me surpreendo se muitos ainda não são capazes de interpretar tais palavras, mesmo conhecedores dos preceitos Espíritas, sobre a imortalidade da alma e as reencarnações sucessivas do Espírito à caminho da sua perfeição.

Por isso, principalmente por causa da frase colocada no frontispício deste artigo, a qual sempre me chamou a atenção, ao lê-la no capítulo IV do Evangelho Segundo o Espiritismo 2, ocorreu-me discorrer sobre este colóquio.

Tomemos, porém, o trecho na qual ela está inserida…

“Havia entre os fariseus um homem, cujo nome {era} Nicodemos, líder dos Judeus. Ele veio até ele {Jesus}, de noite, e lhe disse: Rabbi (c),  sabemos que viestes de Deus, {como} Mestre, pois ninguém faz estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele. Em resposta, Jesus lhe disse: Amém (d), amém, {eu} te digo que se alguém não for gerado de novo {do alto} não pode ver o Reino de Deus. Nicodemos diz para ele: Como pode um homem, sendo velho, ser gerado? Por ventura pode entrar {pela} segunda vez no ventre de sua mãe e ser gerado? Jesus respondeu: Amém, amém, {eu} te digo que se alguém não for gerado de água e espírito, não pode entrar no Reino de Deus. O que foi gerado (e) da carne é carne, o que foi gerado do espírito é espírito. Não te maravilhes de que eu lhe tenha dito: É necessário a vós ser gerado  de novo {ou do alto}. O espírito sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai; assim é todo aquele que foi gerado (e) do espírito. Em resposta, Nicodemos lhe disse: Como pode ocorrer estas {coisas}? Em resposta, Jesus lhe disse: Tu és Mestre de Israel e não sabes estas {coisas}? Amém, amém, {eu} te digo que “o que sabemos falamos, e o que vimos testemunhamos”, mas não acolhes o nosso testemunho. (…) Ninguém subiu ao céu senão o que desceu do céu – o filho do homem.” 2 (João, 3:1-13)

Nesta passagem, mesmo para os neófitos da Terceira Revelação, é evidente que Jesus estava enunciando o princípio da reencarnação; e, além disso, colocando-a como o único meio de se atingir os Mundos Puros [Reino de Deus].

Embora não explicasse o do porquê da necessidade da reencarnação, seus objetivos, Nosso Mestre pontuava, claramente, que o Espírito precisa voltar a carne para um dia chegar a tais Mundos; isto é, ao propalado Reino dos Céus, por Ele várias vezes anunciado.

De fato, é de nosso conhecimento que somente através das reencarnações sucessivas podemos evoluir suficientemente, em sabedoria e virtudes, para atingirmos a perfeição requerida para tal; único passaporte que nos permite o acesso a tais Mundos.

Algumas passagens, contudo, trazem algumas dificuldades de interpretação; principalmente pela linguagem utilizada. Pelo significado destas, na época, mas que atualmente não carregam o mesmo sentido. E a isso vamos nos ater daqui por diante, para melhor entendermos ao Nosso Senhor Jesus Cristo.

“{eu} te digo que se alguém não for gerado de água e espírito, não pode entrar no Reino de Deus.”

Aqui é importante voltarmos aos embrionários conceitos da física da época.

Nossos antepassados acreditavam que a Terra havia saído da água; “por isso, consideravam a água como o elemento gerador absoluto” 2. Isto é, o único elemento gerador da vida.

O que pode ser constatado no Gênesis 3: “(…) e um vento [Espírito] (a) impetuoso soprava sobre as águas (…). Deus disse: Que exista um firmamento no meio das águas para separar águas das águas! Deus fez um firmamento para separar as águas que estão acima do firmamento das águas que estão abaixo do firmamento (…). Deus disse: Que as águas que estão debaixo do céu se ajuntem num só lugar, e apareça o chão seco (…). Deus disse: Que as águas fiquem cheias de seres vivos e os pássaros voem sobre a terra, sob o firmamento do céu (…).”

Em função disso, durante muito tempo acreditou-se que a água, no Gênesis 3, simbolizava a natureza material; da mesma forma como, até os dias de hoje, o Espírito representa a natureza inteligente criada por Deus.

Portanto, não fica difícil concluirmos que o “se alguém não for gerado de água e espírito” é o mesmo que “se o homem não renasce com seu corpo e sua alma”.

 “O que foi gerado  da carne é carne, o que foi gerado do espírito é espírito.”

Felismente, caro leitor amigo, a interpretação deste trecho é mais fácil…. Principalmente se nos apoiarmos nos preceitos da Codificação.

Sabemos que existe uma distinção clara entre o que é matéria e o que é Espírito; pois, como aprendemos no Espiritismo, nosso Pai criou somente estes dois elementos.

Portanto, por carne entendemos o corpo físico. Além disso, já sabemos que somente o corpo físico pode gerar um outro corpo físico. E que o Espírito independe deste, pois somente Deus pode criar matéria e Espírito; consequentemente, nenhum dos dois pode provir do outro…

“Jesus não só distingue o corpo do espírito como evidencia a origem de cada um, esclarecendo que o corpo gera outro corpo, mas não gera o espírito, pois só Deus (…) pode criar o Espírito.” 4

“O espírito sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai; assim é todo aquele que foi gerado  do espírito.”

Temos ciência de nossa origem: todos nós somos criados pelo mesmo Pai; contudo, é-nos desconhecido como isso ocorre. Bem como, já aprendemos que Deus dá a vida a quem Ele quer…

Não fica difícil, também, concluirmos que por “mas não sabes de onde vem, nem para onde vai” deve significar que ninguém sabe o que foi [sua preexistência], em função do esquecimento do passado, da mesma forma como ninguém pode afirmar o que virá a ser, por causa do uso que fizermos de nosso livre-arbítrio [o espírito sopra onde quer].

“Se, pelo contrário, o Espírito, ou alma, fosse criado com o corpo, saberíamos de onde ele veio, pois conheceríamos o seu começo. Em todo o caso, esta passagem é a consagração do princípio da preexistência da alma, e por conseguinte da pluralidade das existências.” 2

Nossas últimas palavras…

Espero que tenha apreciado, caro amigo leitor.

Fique em Paz!

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(a)“Lit. “espírito (ser); vento (coisa)”. Tanto na língua grega quanto nos idiomas hebraico / aramaico uma única palavra é utilizada para designar dois elementos: espírito e vento. Mais uma vez, o Evangelista empregou o efeito estilístico da ambiguidade para dizer “o espírito/vento sopra onde quer (…)”. 1, nota 10  

(b)“(…) Nesta passagem, o termo [líder] é utilizado para se referir ao cargo ocupado por Nicodemos, enquanto membro do Sinédrio (Supremo Tribunal do povo hebreu)”. 1, nota 1

(c)“Em aramaico, significa meu Mestre”. 1, nota 2

(d)“(…) trata-se de um adjetivo verbal (ser firme, ser confiável). O vocábulo é frequentemente  utilizado de forma idiomática (…) para expressar asserção, concordância, confirmação (realmente, verdadeiramente, de fato…) (…).” 1, nota 3

(e)“(…) neste versículo, o verbo está na voz passiva e perfeito, indicando uma ação realizada no passado, cujos efeitos perduram no presente, ou seja, foi gerado e continua vivo.” 1, nota 8

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1O novo testamento. Tradução de Haroldo Dutra Dias. Edição do Conselho Espírita Internacional. 1ª edição. 2010. Evangelho de João. Capítulo 3. Jesus e Nicodemos.

2KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Capítulo IV. Ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo. Ressureição e reencarnação. 64.ed. São Paulo: Livraria Allan Kardec Editora, 2007.

3Biblia Sagrada. Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 1990. Gênesis. 1. Origem do mundo e da humanidade.

4Fundação Allan Kardec. Roteiro sistematizado para estudo do livro “O evangelho segundo o espiritismo”. 4. ed. Catanduva, São Paulo: Ed. Boa Nova Editora, 2010

O autor é Presidente do Recanto de Luz – Pronto Socorro Espiritual Irmã Scheilla, em Ribeirão Pires (SP)

www.irmascheilla.org.br

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