Sobre a Santíssima Trindade. Santo Agostinho
[Fabio Dionisi] fabiodionisi@terra.com.br
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Não poucas vezes constatei a importância do Mistério da Santíssima Trindade para a Igreja Católica Apostólica Romana; um de seus mais complexos dogmas.
E justamente por se tratar de tema basilar para nossos irmãos Católicos, tanto quanto o pecado original, decidi-me aprofundar conhecimentos à respeito *. O que me levou, naturalmente, à Santo Agostinho…
Sempre presente em suas cogitações, quando já cristão, acredita-se que tenha sido ele quem deu o acabamento final à Doutrina da Trindade.
Adotando o seu princípio de “crer para compreender, compreender para crer”, isto é, “a fé revela verdades ao homem de forma direta e intuitiva. Vem depois a razão esclarecendo aquilo que a fé já antecipou” 2 (p. 112), Agostinho parte da Fé, sem questionar, para compreeder “de que existe um só Deus que é Trindade, e de que Pai, Filho e Espírito Santo são ao mesmo tempo distintos e coessenciais, numericamente um em substância.” 1 (p. 205)
Toda sua obra De trinitate constitui-se numa tentativa de compreensão da Trindade.
“Seu imenso esforço teológico é uma tentativa de compreensão, sendo esse o exemplo supremo de seu princípio de que a fé deve preceder a compreensão.” 1 (p. 205)
Aqui é importante comentar que mesmo fazendo, igualmente, um esforço enorme na tentativa de reconciliar à questão da Fé e da Razão, dá à primeira uma primazia, afirmando que há coisas que compreendemos, por isso cremos, mas somente a Fé nos faz crer em coisas que nem sempre entenderemos pela razão.
Para não alongar o assunto, peço ao meu caro leitor que confirme essas assertivas em dois de seus livros: O Mestre (Item 37), e A Trindade (XV. 2).
Afirmam seus estudiosos que a grande contribuição de Aurelius Augustinus (354–430 d.C.+), para consolidar a Doutrina da Trindade, foi o de estabelecer que (1) Deus é um ser absoluto, simples, indivisível e imutável, e que (2) esta é a natureza da própria Trindade, onde nenhum dos três é menor que a própria Trindade.
No seu livro A Cidade de Deus encontramos: “A Trindade, simples e imutável, Pai, Filho e Espírito Santo, é um só Deus. Nela não há distinção entre a qualidade e a substância.” (11.10)
O que exclui qualquer tipo de subordinacionismo, e que equivale dizer que nem o Pai é o ponto de partida e nem o Filho e o Espírito Santo são menos que o primeiro; daí, não serem subordinados ao Pai.
Pai, Filho e Espírito Santo não são três indivíduos separados. E, sob o ponto de vista de essência, cada um dos três é idêntico à própria substância divina. Uma concepção trinitária, porém, não tríplice.
E, também, como consequência: “a Trindade possui ação única, indivisível, e uma única vontade (…). Elas operam inseparavelmente.” 1 (p. 206)
Contudo, inicialmente, para Agostinho isso pareceu eliminar a diferença de papeis entre os três; portanto, porque seriam três se tudo é exatamente igual entre eles?
Ao que ele mesmo responde: “cada uma das pessoas possui a natureza divina de modo particular”, e que é, portanto, “justo atribuir a cada uma d’Elas, na operação externa da Divindade, o papel que Lhe é próprio em virtude de Sua origem”. 1 (p. 206)
Ou seja, afirma que a diferença está nas relações mútuas dentro da Divindade, e não em diferenças quanto à substância divina.
“Pai, Filho e Espírito Santo são desse modo relações, no sentido de que tudo aquilo que cada um é, Ele é em relação a um d’Eles ou a ambos.” 1 (p. 207)
O Pai que se distingue dos demais porque gera o Filho, e este Se distingue do primeiro porque é gerado, enquanto que o Espírito é o amor mútuo do Pai e do Filho, “o vínculo consubstancial que Os une.” 1 (p. 208)
E, prossegue Kelly 1 (p. 208): “o Espírito Santo não é o Espírito de um d’Eles, mas de ambos. (…) Respondendo à objeção de que, uma vez que o Filho e o Espírito derivam do Pai, deve haver dois filhos, ele [Agostinho] declarou “O Filho vem do Pai, o Espírito também vem do Pai. Mas o primeiro é gerado, o último procede. De sorte que o primeiro é Filho do Pai, de quem é gerado, mas o último é o Espírito de ambos, visto que procede de ambos…”
Para auxiliar o entendimento, Agostinho desenvolve analogias a respeito “do mistério da unicidade absoluta e, ao mesmo tempo, da distinção real dos três.” 1 (p. 208) Por exemplo, em De trinitate (8.12) ele se utiliza da ideia do amor, ao decompor em três: quem ama, o objeto amado e o amor que os une.
Impressionante à complexidade criada, caro leitor… O Hiponense dedicaria uma obra inteira à respeito: De trinitate; considerada uma de suas melhores produções.
Felizmente, com o advento do Espiritismo, seus prosélitos aprenderam a compreender as figuras dos três, e da necessidade de individualizá-las; além da subordinação de toda a criação ao Pai, incluíndo Filho e Espírito [Santo].
Pai
Criador de tudo que existe no universo: toda a matéria e todos os Espíritos: “Deus é a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas.” LE (Q. 1)
Também, no O Livro dos Espíritos LE (Q. 13) encontramos seus atributos, o que fazem Dele único e supremo: eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom.
Filho
Jesus o Cristo; isto é, o filho ungido (escolhido) pelo Pai para ser o responsável espiritual da humanidade terrestre. Filho, como nós o somos; porém, já de alta patente espiritual.
Na obra A Caminho da Luz, Emmanuel, ao tratar da gênese planetária e da vida organizada, refere-se ao Seu papel de liderança e coordenação.
“(…) existe uma Comunidade de Espíritos Puros e Eleitos pelo Senhor Supremo do Universo, em cujas mãos se conservam as rédeas diretoras da vida de todas as coletividades planetárias. Essa Comunidade de seres angélicos e perfeitos, da qual é Jesus um dos membros divinos, (…) já se reuniu (…), para a (…) organização e da direção do nosso planeta, por duas vezes (…). A primeira verificou-se quando o orbe terrestre se desprendia da nebulosa solar (…).”
“(…) O Divino Escultor (…), com as suas legiões de trabalhadores divinos, (…) operou a escultura geológica do orbe terreno (…). Com os seus exércitos de trabalhadores (…) estatuiu os regulamentos dos fenômenos físicos da Terra (…). Organizou o cenário da vida, criando (…) o indispensável à existência dos seres do porvir (…). E quando serenaram os elementos do mundo nascente (…), viu-se, então, descer sobre a Terra (…) uma nuvem de forças cósmicas. (…) nascia no orbe o protoplasma e, com ele, lançara Jesus à superfície do mundo o germe sagrado dos primeiros homens.”
“(…) sob a orientação misericordiosa e sábia do Cristo (…), os artistas da espiritualidade edificavam (…) a construção das formas organizadas e inteligentes dos séculos porvindouros.”
Em seu outro livro, O Consolador (Q. 283), novamente, Emmanuel registra o encargo que Ele recebeu do Pai: “Diretor angélico do orbe”.
Espírito Santo
É o Espírito, a centelha divina criada por Deus; isto é, cada um de nós… Porém, segundo Emmanuel, em O Consolador (Q. 312), esta expressão refere-se, mais especificamente, àqueles Espíritos Angelicais que ajudaram Jesus.
“Como interpretar a afirmativa de João: “Três são os que fornecem testemunho no céu: o Pai, o Verbo e o Espírito Santo?”. — João referia-se ao Criador, a Jesus, que constituía para a Terra a sua mais perfeita personificação, e à legião dos Espíritos redimidos e santificados que cooperam com o Divino Mestre, desde os primeiros dias da organização terrestre, sob a misericórdia de Deus.”
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Ademais ao que foi dito, caro leitor, este dogma nem deveria ter surgido; pois, em pelo menos duas ocasiões, Jesus não deu nenhuma margem para que se acreditasse na existência de uma Trindade Divina.
“Certo chefe o interrogou, dizendo: Bom Mestre, fazendo o que herdarei a vida eterna? Disse-lhe Jesus: por que dizes “bom”? Ninguém é bom senão um, Deus.” (Lucas, 18:18-19)
“Se me amásseis, certamente havíeis de folgar que eu vá para o Pai, porque o Pai é maior do que eu.” (João, 14:28)
Nem Ele [Jesus] se igualou à Deus…
*In memorian ao Pe. Onelio Dionisi
1 KELLY, J. N. D. Patrística: origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da fé cristã. São Paulo: Vida Nova, 2009.
2 COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: História e Grandes Temas. São Paulo: Editora Saraiva. 2006
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O autor é presidente do CE “Recanto de Luz – Irmã Scheilla”, em Ribeirão Pires (SP)
www.irmascheilla.org.br
Grata pelo aprendizado que mais uma vez foi esclarecedor.