EDITORIAL No 135 (Maio, 2025) – Os justiceiros espirituais e a pena ser do tamanho exato da infração cometida.

Editor responsável: Fabio Dionisi
[Fabio Dionisi] fabiodionisi@terra.com.br

Folheando a Divina comédia 1, monumento da literatura mundial, de Dante Alighieri (a), mais precisamente o Canto 12 do Inferno, onde se inicia a descrição da descida ao primeiro giro do círculo sétimo, onde se encontram os violentos surgiu-nos a ideia de fazer uma comparação entre o que o poeta fiorentino Dante  (1265-1321) e o poeta mantuano Virgílio (70-19 a.C.) constaram e o que aprendemos com a Doutrina Espírita.

Como sabemos, neste círculo encontram-se os que são punidos pelo pecado da violência e da bestialidade.

Quando os dois poetas chegam no vale, deparam-se com um rio de sangue fervente, onde os violentos são punidos; aqueles que atentaram contra a vida ou os negócios do próximo.

Uma fileira de centauros (b) circundava o lago formado pelo rio para vigiar os condenados, flechando-os se eles tentassem sair do sangue uma vez que isso não lhes era concedido.

A função dos centauros era a de obrigar os danados a se sujeitarem às penas que lhes foram impostas, quando chegaram ao Inferno, após o desencarne.

Um dos centauros, de nome Nesso, explica-lhes que os tiranos são punidos nesse sangue fervente, devendo permanecerem imersos até os olhos; depois os homicidas, imersos até a garganta; e, por fim, os salteadores, cujos peitos podem ficar emersos. 4 (p. 100)

“E esse do meio, que em seu peito mira, é o grão Quirion, que a Aquiles instruiu, Polo é aquele, o que estava cheio de ira. Eles à volta vão, de mil em mil, flechando todo que emergir mais tente de quanto a sua sentença permitiu (vv. 70-75).” 5 (p. 103)

Os dois tercetos transcritos descrevem que os danados, que tentam emergir do sangue fervente além do que suas culpas permitem, são alvejados pelos centauros. Por exemplo, os tiranos não podem emergir além dos próprios olhos, já, os salteadores podem fazê-lo até a cintura.

Aqui encontramos dois aspectos que podem ser explorados à luz da Doutrina Espírita:

(1) A existência dos “justiceiros” que mantem os danados presos ao local onde pagam pelas suas faltas; não somente na função de carcereiros, mas de imporem castigos e dores. Obviamente porque se outorgam este direito…

(2) O da pena ser do tamanho exato da infração cometida; nem menor e nem maior da falta cometida.

Dante refletiu exatamente o que acontece…

Antes de mais nada, cumpre explicar que as Leis Divinas são de justiça, indubitavelmente; no entanto, são também de amor e misericórdia. O Senhor não deseja a punição do infrator, antes quer o seu reajuste à ordem, ao dever, para a sua própria felicidade.

Logo no primeiro capítulo de Ação e reação 6, encontramos interessante esclarecimento do instrutor Druso.

“Todos os lugares infernais surgem, vivem e desaparecem com a aprovação do Senhor, que tolera semelhante criações das almas humanas, como um pai que suporta as chagas adquiridas pelos seus filhos e que se vale delas para ajudá-las a valorizar a saúde. As Inteligências consagradas à rebeldia e à criminalidade, em razão disso, não obstante admitirem que trabalham para si, permanecem a serviço do Senhor, que corrige o mal com o próprio mal.” 6 (p. 20-21)

Druso quis dizer que Deus permite e tolera que estes seres dominadores, ainda impregnados de maldade, ajam livremente, maltratando suas vítima. Mas dentro dos limites de justiça, e sem exceder o tempo necessário à mudança dos que lhes sofrem as maldades.

Continuando seu esclarecimento, o instrutor prossegue dizendo que estes gênios infernais, que acreditam governar tais regiões, com poder infalível, costumam lá permanecerem por tempo indeterminado. E que as criaturas perversas que se afinam com estes gênios, embora sejam por eles dominados, deixam-se prender por muitos anos. Quanto aos danados, ou seja as almas que se desviaram, caindo na delinquência ou no vício, que são maltratados pelos dois primeiros grupos (dominadores e perversos), quando já detém possibilidades de próxima recuperação, eles costumam permanecer em tempos mais curtos, com o fito de aprenderem que o preço de suas paixões é demasiado pesado para compensar. E, dentre estes, quando tomados de arrependimento e do remorso, são acolhidos pelas casas de fraternidade e assistência que atuam no resgate destes irmãos, iniciando o processo de habilitação às experiências expiatórias na carne, numa próxima reencarnação. 6 (p. 19-20)

Quanto à exatidão do tamanho da pena, recordamo-nos de uma outra passagem, mais adiante, no mesmo livro.

André Luiz pede ao Ministro Sânzio que fale sobre o “carma”. 6 (p. 105)

De forma resumida, registraremos sua resposta: “— Para melhor entender o ‘carma’ ou ‘conta do destino criada por nós mesmos’, convém lembrar que o Governo da Vida possui igualmente o seu sistema de contabilidade, a se lhe expressar no mecanismo de justiça inalienável (…); e, nas regiões atormentadas como esta (…), temos os poderes competentes [gênios do mal] para promover a cobrança e a fiscalização, o reajustamento e a recuperação de quantos se fazem devedores complicados ante a Divina Justiça, poderes que têm a função de purificar os caminhos evolutivos e circunscrever as manifestações do mal.” 6 (p. 105-106)

Cujo poder de cobrança cessa uma vez que a conta do infrator, perante a Lei Divina, esteja saldada, ou o arrependimento e o remorso sincero tenham despontado no devedor…

Acreditamos que exemplificamos à contento. E, a dizer verdade, estes últimos parágrafos servem para todos os cantos do Inferno, da Divina comédia.

Por isso dissemos que Dante Alighieri refletiu exatamente o que acontece… A justiça das Leis Divinas e a Lei da causa e efeito.

Falhou na questão da perpetuidade das penas; mas entendemos o porquê… Resultado de um complexo contexto de crenças da época, que infelizmente se mantém até os dias de hoje, em muitas religiões. (c)

Fiquem em paz.

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(a) “Dante é um médium incomparável. Sua ‘Divina Comédia’ é uma peregrinação através dos mundos invisíveis (…).” Frase registrada por Léon Denis, em sua incomparável obra: No Invisível. 2 (cap. 26)

“Lembrando Dante e seu Inferno… Quando psicografava os livros de André Luiz, via-se o Chico, em dado momento, transportado àquelas regiões de que lhe falava o esclarecido autor de Libertação. Cenas dantescas presenciava: homens com fisionomias de crocodilos, cobras, arrastando-se, conturbando o ambiente já de si pavoroso; outros, urrando, como animais ferozes, lembrando-lhe Dante, revelando-lhe, nos círculos do inferno dântico, criaturas transformadas em árvores, enterradas até a cintura, verdadeiros duendes, animalizados. E o Médium conclui sua visão: Dante era um grande Médium, além de culto Poeta. Nos momentos em que seu corpo descansava no sono, ia, em espírito, às regiões boas e más, classificando-as como sendo o Paraíso, o Purgatório e o Inferno. Seu Guia, Virgílio, possibilitou-lhe já naquela época, conhecesse aquilo que André Luiz, hoje nos atualiza de forma mais perfeita.” 3 (p. 192)

(b) Centauros: seres mitológicos, cavalo e homem num só tempo, portanto, homens e animais, que conhecem somente o direito da força; foram símbolos da violência bestial. 16 1 (p. 92; notas 56-57)

(c) À título de esclarecimento, nós acreditamos que o Inferno de Dante nada mais seja que as Trevas e seus abismos, e o seu Purgatório, os três Umbrais. 7 (p. 102)

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1 ALIGHIERI, Dante. La Divina commedia. Texto crítico de Giuseppe Vandelli. 16. ed. Milano, It: Ulrico Hoepli,1955. [A primeira edição foi em 1928]

2 DENIS, Léon. No invisível. 12. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1987.

3 GAMA, Ramiro. Lindos casos de Chico Xavier. 19. ed. São Paulo: LAKE, 2000.

4 MARK MUSA. The portable Dante. The Viking Portable Library. Dante Alighieri. EUA: Viking Press, 1995.

5 ALIGHIERI, Dante. A Divina comédia. Tradução, comentários e notas de Italo Eugenio Mauro. 1. ed. São Paulo: Editora 34, 2009.

6XAVIER. Francisco Cândido. Ação e reação. Pelo Espírito André Luiz. 28. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2008.

7 DIONISI, Fabio. O que está escondido nos grandes abismos? 1. ed. Ribeirão Pires: Editora Dionisi, 2021.

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O autor é editor, articulista, escritor, palestrante, jornalista; responsável pelo CE Recanto de Luz – Pronto Socorro Espiritual Irmã Scheilla, em Ribeirão Pires (SP). www.irmascheilla.org.br

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