Os desafios do discipulado. Jesus e a decisão.

[Fabio Dionisi] fabio@editoradionisi.com.br

“E a outro disse Jesus: Segue-me. E ele lhe disse: Senhor, permite-me que vá eu primeiro enterrar meu pai. E Jesus lhe respondeu: Deixa que os mortos enterrem os seus mortos, e tu vai, e anuncia o Reino de Deus (Lucas, IX: 59-60).”

Certa feita, lendo o livro: Jesus e Atualidade 1, mais especificamente o capítulo: “Jesus e decisão”, deparamo-nos, novamente, com a passagem do jovem disposto a abraçar a Boa Nova, mas que pediu para enterrar seu genitor, que havia morrido, antes de segui-Lo.

Não fora a primeira vez; a bem da verdade, dezenas de vezes havíamos lido e comentado esta passagem, quer publicamente, ou em nossos Evangelhos no lar.

Nosso enfoque sempre tendeu a ser sobre a questão do apego aos bens materiais, e como isso costuma ser um entrave à valorização e vivencia dos bens espirituais.

Todavia, desta vez, percebemos mais um sentido para esta multifacetada passagem: os desafios do discipulado, ou, de forma mais clara ao entendimento: as exigências da vocação apostólica; frase que dá título à estes versículos, na Bíblia de Jerusalém (Lucas IX, 57 – 62). 2

A riqueza de tão poucas palavras, proferidas pelo Mestre dos mestres, não pode ser olvidada, por ser tão ampla em ensinamentos. Por isso, não nos furtaremos a registrar alguns ensinamentos, antes de passarmos à questão dos nossos desafios, a partir do momento que decidimos ser Seu discípulo.

Em O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec sintetiza vários deles. 3 (cap. 23; it. 7-8)

Jesus não censurou o amor filial que impõem o dever moral de sepultar o genitor que se despediu desta existência terrena, transitória e passageira. E que devemos respeitar nossos mortos, através da lembrança, e não no que se refere à matéria.

Kardec enfatiza um sentido mais profundo nas palavras de Jesus: a vida espiritual é a verdadeira vida do Espírito. A encarnação é, a bem da verdade, uma espécie de morte, quando comparada à atividade da vida espiritual.

Segundo o Mestre Lionês, interpretando a resposta do jovem: “Era isso que aquele homem não podia compreender por si mesmo.”

Nas palavras de Jesus, estava inserido o ensinamento de que: “Não vos inquieteis com o corpo, mas pensai antes no Espírito; ide pregar o Reino de Deus; ide dizer aos homens que a sua pátria não se encontra na Terra, mas no Céu, porque somente lá é que se vive a verdadeira vida.”

Encontramos outras interpretações interessantes, como é o caso da passagem: “As duas mortes”, em Parábolas e ensinos de Jesus. 4 (p. 166-167)

Seu enfoque é sobre a existência de duas vidas e, como consequência, a de dois tipos de morte: a morte concreta e a morte abstrata.

A primeira é a do corpo físico, a segunda é a morte da alma. Nesta última, enrijece-se o censo moral, onde o frio da descrença caracteriza a alma morta…

Quanto ao ser humano, deparamo-nos com dois extremos: a alma morta no corpo vivo e a alma viva no corpo morto.

Nesta última, a libertação do Espírito! Enquanto na primeira, “a morte abstrata (em vida), que adormece, desfigura, deprime a individualidade.” 4 (p. 167)

“A morte da alma é a abstração de tudo o que interessa à Vida Imortal, é a ausência de todos os bens incorruptíveis, é o desconhecimento da Divindade, é a pobreza dos sentimentos nobres, do caráter, da virtude.” 4 (p. 167)

Por sua vez, Joanna de Ângelis levanta várias interessantes possibilidades para justificar a resposta do jovem. 1 (p. 59-60)

Segundo a veneranda, talvez a justificativa dada fosse o motivo real, fazendo-o adiar, por algum tempo, a aceitação do convite; mas poderiam ser outros os motivadores…

Afinal, não deve ter sido à toa que o Nosso Senhor, que certamente já havia perscrutado a real intenção do moço, respondeu: “Deixa aos mortos o cuidado de sepultar os seus mortos; mas tu, vem construir no coração o reino de Deus.” 1 (p. 59)

Não sabemos qual tenha sido a razão do rapaz, que de início, pelo menos aparentemente, estava interessado a ingressar na Nova Era; podemos imaginar, mas não ter a certeza…

Uma coisa parece óbvia, ele devia ocultar alguma intenção ao esquivar-se do convite sob a justificativa de que iria antes sepultar seu pai.

A primeira hipótese poderia ser ligada à algum interesse subalterno, para não perder a herança e ser bem-visto pelos presentes ao velório e à inumação do cadáver. Talvez a existência de alguma disposição testamentária, a exigir-lhe o cumprimento dessa obrigação final, sob a pena de perder a herança.1 (p. 60)

Outra hipótese aplausível, para quem ainda era jovem, seria a de não querer renunciar aos gozos da juventude.

Ou, quiçá, medo de assumir uma responsabilidade tão grande, levando-o a desculpar-se com o argumento apresentado.

“O convite de Jesus faz-se acompanhar de um programa intenso, iniciando-se na renovação íntima para melhor, e prosseguindo na ação construtiva do bem em toda parte.” 1 (p. 60)

Retomemos, agora, a questão dos desafios do discipulado, ou, se preferirem, a das exigências da vocação apostólica.

A passagem evangélica é a de um convite claro e direto: Segue-me!… Foi feito para todos os que se interessaram pela Boa Nova; contudo, para todos nós da lide Espírita, sem exceção, ele tem um caráter adicional.

Vivemos uma hora crucial, em tempos de transformação do orbe e de sua humanidade terrestre.

Em nossa esmagadora maioria, ele foi feito para que apressássemos nossos resgates e nos engajássemos o quanto antes às tarefas redentoras, tanto  as individuais, quanto as coletivas.

Individuais, pela renovação íntima; coletivas, na ação construtiva do bem em toda a parte.

O conhecimento que nos foi dado, com o advento do Consolador Prometido, ao que gostamos de adicionar como sendo o de “libertador de consciências”, inclui-nos na posição vanguardeira de soldados da linha de frente.

Vanguardeira, pois a humanidade ainda está alijada sobre o conhecimento do que está acontecendo, e soldados da linha de frente, pois temos o dever de participar desta transformação.

Pela transformação individual, ocorrerá a transformação coletiva. Pela construção do Evangelho em nossos corações, tornar-nos-emos a Pátria do Evangelho e o Coração do Mundo.

O Brasil não está somente destinado a suprir as necessidades materiais dos povos mais pobres do planeta, mas, também, a facultar ao mundo inteiro uma expressão consoladora de crença e de fé raciocinada e a ser o maior celeiro de claridades espirituais do orbe inteiro (Emmanuel).” 5 (p. 10)

A pergunta que não quer calar: o que estamos fazendo dos tesouros que nos foram confiados?

Estamos trabalhando como devíamos? Estamos exercendo a fraternidade, inclusive entre nós Espíritas, em conformidade ao convite feito? Estamos trilhando o caminho que Jesus nos indicou? E quanto à caridade para com o próximo?

O medo de assumir compromissos, como pode ter sido a razão íntima do jovem, ao esquivar-se do convite, impede nosso desenvolvimento e a dos outros, o que é mais grave.

A constatação nua e crua é a de que o front está perigosamente desguarnecido dos trabalhadores convocados nesta última hora. A linha de frente necessita do engajamento de todos aqueles que parecem dispostos a ingressar nesta Nova Era, mas que se estacionam na rotina despreocupada e monótona do seu dia a dia.

“Existem duas vidas, existem duas mortes; existem duas estradas, duas portas; existem dois senhores, sigamos o Senhor do Céu e deixemos que os mortos enterrem os seus mortos!” 4 (p. 167)

Reflitamos sobre as sábias palavras do venerando Cairbar Schutel! Oxalá nos ajudem a despertar para as responsabilidades e compromissos assumidas às vésperas de nossa reencarnação.

Fiquem em paz.

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1 FRANCO, Divaldo P. Jesus e Atualidade. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. 16. ed. São Paulo: Editora Pensamento, 2014.

2 A Bíblia de Jerusalém. Edição revista. São Paulo: Edições Paulinas, 1986.

3 KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 73. ed. São Paulo: Lake, 2014.

4 SCHUTEL, Cairbar. Parábolas e ensinos de Jesus. 12. ed. Matão: O Clarim, 1987.

5 XAVIER, Francisco Cândido. Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho. Pelo Espírito de Humberto de Campos. 19. ed. Brasília: FEB, 1992.

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O autor é editor, articulista, escritor, palestrante, jornalista; responsável pelo CE Recanto de Luz – Pronto Socorro Espiritual Irmã Scheilla, em Ribeirão Pires (SP). www.irmascheilla.org.br

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