A Aliança da Ciência e da Religião
[Fabio Dionisi] fabiodionisi@terra.com.br
______________________________________________________________________________
Se a bem da verdade, percebemos, nos dias atuais, certa convergência, sempre foi notória a separação existente entre a ciência e a religião. As duas parecem se ocuparem de territórios distintos, sem conseguirem confluir para um ponto comum; embora ambas procedam da mesma origem.
Explico melhor, como a ciência se ocupa das leis do mundo material e a outra, as do mundo moral; e, como todas as leis são de origem Divina, ambas deveriam refletir suas origens.
Sabemos que Deus criou absolutamente tudo o que conhecemos, a matéria e o Espírito. Fez suas Leis para garantir a estabilidade do mundo material e a das relações entre os Espíritos.
“A harmonia que reina no universo material, como no universo moral, se funda em leis estabelecidas por Deus desde toda a eternidade.” (LE, Q 616)
Todas as leis na natureza são, portanto, Leis Divinas, pois Deus é o autor de todas as coisas.
Por que então a ciência e a religião se encontram tão distanciadas, mesmo tendo um ponto em comum, seu Criador?
A meu ver, tudo é uma questão de postura.
A ciência seguiu um caminho onde o orgulho não permitiu que Deus e seu poder fossem objetos de suas cogitações; e, a religião, em geral, se cristalizou em uma série de dogmas e arbitrariedades, os quais afastaram a ciência do seu caminho, com o fito de manter seu poder e autoridade.
É claro que pelas palavras “ciência” e “religião” estamos nos referindo ao conceito que estas representam, e não especificamente a um ou mais ramos da ciência, ou a todas as religiões existentes neste planeta.
Vejamos, inicialmente, a ciência; a começar pela sua própria definição.
“A ciência é o conhecimento claro e evidente de algo, fundado quer sobre princípios evidentes e demonstrações, quer sobre raciocínios experimentais, ou ainda sobre a análise das sociedades e dos fatos humanos.” (Michel Blay, “Dictionnaire des concepts philosophiques”)
Portanto, segundo esta definição, podemos concluir que ela se opõe à opinião e ao dogma, à superstição e ao obscurantismo, e à Crença não suportada pela razão.
Não é, portanto, difícil entender por que as ciências frequentemente são consideradas como contrárias às religiões.
Historicamente, sabemos que as religiões costumam se fundamentar em crenças e dogmas. Crenças, quando não encontram os meios de racionalmente explicarem os princípios em que se fundamentam, e dogmas, quando passam a usar de proposições apresentadas como incontestáveis e indiscutíveis, mas sem o apoio da razão, para exercer o domínio sobre seus prosélitos.
Vamos tomar como exemplo o ocorrido com o Cristianismo Primitivo.
Logo após o retorno de Jesus, seus discípulos começaram a introduzir suas interpretações e atavismos nos conceitos deixados por Ele; iniciando um distanciamento progressivo de Seus ensinamentos. No primeiro século da Era Cristã esses desvios não se fizeram sentir de forma sensível; porem, durante o segundo, e de forma contundente no terceiro, especificamente no ano de 325, a Igreja então constituída se descolou significativamente das lições do nosso Mestre.
“Doutrinas que melhor se adaptavam aos interesses terrenos da Igreja, foram elaboradas por essas célebres assembleias (..). Graças a elas (..) é que se elevou, através dos séculos, esse amálgama de dogmas estranhos, que nada têm de comum com o Evangelho (..)
Essa pesada construção (..) surgiu na Terra em 325 com o concílio de Nicéia, e foi concluída em 1870 com o último concílio de Roma. Tem por alicerce o pecado original e por coroamento a imaculada conceição e a infalibilidade papal (..). Todos esses dogmas constituem verdadeira negação da razão e da justiça divinas” 1
É importante entendermos quais interesses estariam por detrás destas mudanças que desviariam, por mais de 18 séculos, o cristianismo nascente.
Vejamos. Nos primeiros séculos do cristianismo, a comunicação com o mundo invisível era comum e aberta. Mas as instruções dos Espíritos nem sempre estavam em concordância com as opiniões do sacerdócio nascente; e, não poucas vezes se constituíram em severa crítica.
“À medida que se constitui a obra dogmática da Igreja, nos primeiros séculos, os Espíritos afastam-se pouco a pouco dos cristãos ortodoxos (..) Desde o século III, afirmavam (os Espíritos) que os dogmas impostos pela Igreja, como um desafio à razão, não eram mais que um obscurecimento do pensamento do Cristo. Combatiam os faustos já excessivos e escandalosos dos bispos (..). Essa oposição crescente tornava-se intolerável aos olhos da Igreja” 1
A forma como os cristãos primitivos interpretavam o Evangelho, através dos ensinamentos que recebiam da espiritualidade, não era admitida pela Igreja, pois feria seus interesses materiais. Quase todos aceitavam a sucessão das vidas, as punições proporcionais às faltas, a reencarnação em novos corpos, para resgatar o passado; sem a condenação das almas a suplícios eternos.
Essa forma de acreditar era mais conforme com a justiça e misericórdia divinas. Deus, na sua misericórdia infinita, condena o pecado, mas não o pecador, fornecendo-lhe os meios para novamente prosseguir sua jornada evolutiva, mediante existências laboriosas e provas aceitas com resignação e suportadas com coragem.
“Essa doutrina de esperança e de progresso não inspirava, aos olhos dos chefes da Igreja, o suficiente terror da morte e do pecado. Não permitia firmar sobre bases convenientemente sólidas a autoridade do sacerdócio. O homem, podendo resgatar-se a si próprio das suas faltas, não necessitava do padre. (..) A comunicação constante com os Espíritos, eram forças que (..) minavam o poder da Igreja. Esta, assustada, resolveu pôr termo à luta, sufocando o profetismo.” 1
Os dogmas foram, portanto, uma consequência natural. Impôs-se o medo através dos mesmos; por exemplo, pelas penas eternas, as quais somente a Igreja tinha condições de afastá-las. O pecado original, a infalibilidade papal (mais recente) etc., aliados a instrumentos como a excomunhão, criaram os meios para que o clero instituído pudesse controlar seus fieis. O poder e a autoridade estavam assim sendo consolidados… Porem, o preço tem sido elevado demais!
Voltando.. Se por um lado a religião seja grandemente responsável pelo estabelecimento de um fosso entre ambas, a ciência pouco tem feito, até hoje, para superar tal obstáculo.
Como seus sábios, a exemplo dos religiosos, fazem parte da Humanidade Terrestre, um mundo de provas e expiações, também possuem os defeitos típicos do Homem ligado a este planeta. Orgulho e egoísmo ainda norteiam seus destinos.
Existe uma tendência natural do homem sábio se acreditar detentor de toda verdade; e, desprezar aquilo que não consegue explicar, como sendo algo que não mereça fazer parte de suas cogitações. O mundo espiritual e suas leis lhes são desconhecidas. Apesar da mediunidade, a qual sempre existiu desde que o princípio inteligente iniciou sua jornada terrestre, a ciência pouco tem se interessado no estudo das informações que nos são disponibilizadas pelo mundo espiritual. Puro orgulho, como Kardec tão bem pontuou…
“Os homens de saber (..) formam geralmente tão alto conceito de si próprios e da sua superioridade, que consideram as coisas divinas como indignas de lhes merecer a atenção. (..) Julgando-se aptos a tudo compreender, não podem crer na possibilidade do que não compreendem. (..) Se se recusam a admitir o mundo invisível e uma potência extra-humana, não é que isso lhes esteja fora do alcance; é que o orgulho se lhes revolta à ideia de uma coisa acima da qual não possam colocar-se e que os faria descer do pedestal onde se contemplam.” (ESE, cap. VII)
Felizmente, nós Espíritas sabemos que se trata de uma situação temporária. Ciência e religião finalmente se curvarão ao progresso e destruirão este fosso entre ambas. Impulsionadas pelo progresso, que também é uma Lei Divina, convergirão inexoravelmente às suas origens; isto é, ao único Criador.
“(..) em que a Ciência, deixando de ser exclusivamente materialista, tem de levar em conta o elemento espiritual e em que a Religião, deixando de ignorar as leis orgânicas e imutáveis da matéria, como duas forças que são, apoiando-se uma na outra e marchando combinadas, se prestarão mútuo concurso. (..) e vai marcar uma nova era na vida da Humanidade.” (ESE, cap. 1)
Fácil é prever quais serão as consequências…
_______________________________________________________________
1Cristianismo e Espiritismo – Leon Denis, cap. VI e VII
________________________________________________________________
O autor é editor, articulista, escritor, palestrante, jornalista; responsável pelo CE Recanto de Luz – Pronto Socorro Espiritual Irmã Scheilla, em Ribeirão Pires (SP). www.irmascheilla.org.br