E o semeador saiu a semear…
“Eis aí que saiu o que semeia a semear. (…) E o que recebeu a semente em boa terra, este é o que ouve a palavra e a entende, e dá fruto, e assim um dá cento, e outro sessenta, e outro trinta por um.” (Mateus, XIII: 19-23)
Se um agricultor pegasse sementes de trigo e as semeasse na beira de uma estrada, ou sobre pedras, ou sobre espinhos, para só depois semeá-las em terra fértil, pensaríamos que esse agricultor, no mínimo, é esquisito. Pois nos parece que ele tem consciência de estar jogando fora muitas sementes. Por que razão faria isso?!
Certamente, caro leitor, já deve estar imaginando, que nossa conversa de hoje é sobre a parábola do semeador, uma das parábolas mais conhecidas de Jesus e também uma das poucas explicadas por Ele mesmo, a pedido dos discípulos. Jesus afirmou que a semente é a palavra de Deus e que o semeador é Ele, Jesus. Por que então ele não escolheu terrenos melhores para semear? Pois pelo texto do Evange-lho, 75 % das sementes foram perdidas e só 25% deram algum fruto. E, ainda, mesmo as que deram fruto, não deram da mesma forma, umas deram 30, outras 60, outras 100.
Em primeiro lugar, todos nós sabemos que o mais importante na parábola não é o símbolo material, não é o terreno, mas o símbolo espiritual. Ou seja, o terreno da semeadura de Jesus é a alma humana. E a alma humana é imprevisível, pois Deus dá a todos nós a possibilidade de escrever a própria história, de fazer escolhas para nossa vida, o que costumamos chamar de livre-arbítrio. Não há como prever o resultado de nenhuma semeadura. Nem mesmo Jesus, nosso Mestre, foi capaz de prever, tanto que Ele escolheu Judas Iscariotes para ser seu apóstolo. Parece absurdo Jesus não fazer essa previsão?! Não! A Doutrina Espírita nos afirma que os Espíritos superiores não impõem nada a ninguém, Eles simplesmente nos aconselham, nos mostram opções e nos permitem escolhas. Jesus, um Espírito altamente evoluído sabe que ninguém impõe mudanças a ninguém, que simplesmente podemos ajudar o outro a perceber as vantagens de mudar. Sempre apostando tudo no outro, sem esperar resultado predeterminado.
Lembro de um amigo que me contou a luta que fez para ajudar seu irmão a deixar de beber. Percorreu todos os lugares frequentados por seu irmão pedindo ajuda. Foi aos bares e pediu para não vende-rem bebidas para ele, falou com os amigos que costumavam acompanhá-lo no vício para lhe ignorarem, fiscalizava constantemente se havia bebidas em casa, mas, mesmo assim, seu irmão sempre achava um jeito de beber. Então tirou uma licença do trabalho e resolveu passar alguns meses em um apartamento na praia, onde não havia co-nhecidos e poderia vigiá-lo 24 horas por dia. Passado algum tempo, estava feliz pensando que havia alcançado o resultado esperado. Mas que nada! Certo dia, quando andavam na praia, um vizinho do prédio da frente, perguntou a ele por que pendurava garrafas de bebida na janela. Seria algum processo para deixá-las mais saborosas? Foi neste momento que descobriu a dura verdade: seu irmão continuava bebendo as escondidas. Ficou decepcionado! E compreendeu que não poderia forçar seu irmão a fazer o que não queria. Mas, como demonstrou tamanha decepção, seu irmão se compadeceu e resolveu esforçar-se para livrar-se do vício. Ou seja, só podemos ajudar os ou-tros a mudarem, quando o outro aceita a ajuda e resolve mudar.
Na parábola, a semente que foi lançada à beira do caminho, nem sequer germinou; foi logo pisoteada pelas pessoas e comida pelas aves. No Evangelho de Mateus (XII, 1-9) essas aves são colocadas como o mau, em Marcos (IV, 1-9) como o diabo; em Lucas (VIII, 4-15) como o satanás. Porém, todos os três evangelistas referem-se ao ego humano, ao nosso egoísmo, ao mau uso do livre-arbítrio. Esse solo representa aqueles que não dão atenção aos ensinamentos de Jesus, veem a busca do desenvolvimento da religiosidade como ocupação para tolos. A plantinha nem brota, porque é devorada, antes disso, pelos maus pensamentos, pelo orgulho excessivo, pela prepotência.
As sementes que caíram no meio do pedregulho, cresceram rápido, mas as raízes eram muito pequeninas e veio o calor do sol e as queimou e morreram. Aqui são representados aqueles que se empolgam, a princípio, com os ensinamentos, acham tudo muito lindo, mas não tem perseverança e mudam rapidamente de opinião com os primeiros problemas. Podemos citar como exemplo aquela pessoa que procura a Casa Espírita e fica maravilhada com as mensagens, com as psicografias, mas só fica nisso, achando tudo muito bonito, sem aplicação prática. Ou aquela que fica interessadíssima nos fenômenos espíritas, nos fenômenos físicos, nas “incorporações”, mas se esquece de que o maior objetivo do intercâmbio do nosso mundo físico com o mundo dos espíritos não é distração ou diversão, mas o auxílio ao despertar para as razões da existência, a fim de evoluirmos como Espíritos que somos.
As sementes que caíram nos espinheiros também nasceram, mas entre elas cresceram os espinhos e as sufocaram. Aqui são representadas aquelas que despertam um interesse real pelos ensinamentos do evangelho, pela reforma íntima, mas se deixam levar pelas coisas do mundo e passam a dar maior valor ao lucro, ao acúmulo dos bens materiais, aos prazeres fúteis do mundo material e não encontram tempo para exercitar o evangelho. Velha frase: “Eu gostaria, mas não tenho tempo!” Vale lembrar: podemos exercitar o evangelho em qualquer lugar, não necessariamente num templo religioso.
E, finalmente, as sementes semeadas em terra fértil, desenvolvem-se e dão frutos. Aqui são representadas as almas que levam a sério os ensinamentos de Jesus, os estudam e procuram colocá-los em prática.
Notemos ainda, que Jesus, quando contou a sua parábola e explicou-a aos discípulos, não disse que o semeador ficou frustrado por ter perdido tantas sementes. Existe na filosofia oriental uma palavra sânscrita chamada falasanga, que quer dizer “mania de resultados”. Todos nós normalmente só trabalhamos por amor a algum resultado palpável. Parece até estupidez trabalhar sem esperança de resultado. Alguns, é verdade, trabalham sem esperança de resultados materiais, dinheiro, propriedade, etc., mas esperam resultados de caráter social, mental ou emocional, como aplausos, reconhecimento, gratidão, um nome de benfeitor no jornal, na rádio ou na tv, ou a perpetuação de sua beneficência em forma de monumento, ou numa placa comemorativa. Outros, mais sublimados, não esperam nada disso no mundo presente, mas trabalham na certeza de que no outro mundo serão recompensados por Deus em forma de eterna glória e felicidade ou, como dizemos nós espíritas, bônus hora para, quem sabe, habitar o Nosso Lar ou outra colônia semelhante. Quase todos nós fazemos negociatas com Deus. Ou seja, todos ainda somos egoístas e de certa forma praticamos falasanga terrestre ou celeste.
Somente aquele que é capaz de semear o bem sem nenhuma segunda intenção, sem especular por retribuição alguma, torna-se liberto do egoísmo e torna-se alguém muito mais feliz. Uma pessoa de bem com a vida, como Jesus, nosso Mestre.
A parábola do semeador prega a todos nós o esforço para fertilizar a nossa alma e semear a Verdade e o Bem, sem esperança de assistir a uma festa de colheita, mas contribuindo, de alguma forma, na semeadoura em qualquer lugar, de todas as formas possíveis.
Kardec, Allan. Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução: J.Herculano Pires. 54ª ed. São Paulo: Lake,1999.
Rohden, Huberto. Sabedoria das Parábolas. 12ª ed. SP: Martin Claret.
[Simone Biaseto de Oliveira] – monibiaseto@gmail.com