Bem-aventurados os pobres de espírito

[José Dutra]

Jesus disse: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.”(1)
Mas a expressão “pobre de espírito” significa tolo, pouco inteligente, sem juízo, sem criatividade. Será que Jesus quis dizer que o reino dos céus é dos tolos?
Certamente que não. Vamos procurar compreender Jesus.
Todos os ensinamentos e exemplos de Jesus mostram os meios que nos levam ao reino dos céus, e ele jamais poderia excluir as pessoas inteligentes, porque a inteligência é um dos ins-trumentos que Deus nos deu para nossa evolução, e não para nossa condenação.
Outro motivo que mostra a total falta de fundamento deste tipo de exclusão é que ela deixaria de fora o próprio Jesus, que demonstrou inteligência superior, e também Deus, que é a inteligência suprema.
Por outro lado, é preciso esclarecer que não estamos, de forma alguma, excluindo os tolos do reino dos céus. Eles também terão esse direito, porque nosso Pai Celestial não desampara nenhum de seus filhos, mas precisam evoluir para chegar lá.
A expressão “pobres de espírito” é uma tradução comum usada na primeira bem-aventurança, no início do sermão da montanha. Entretanto, nem sempre as traduções retratam fielmente o sentido original das palavras.
A Bíblia de Jerusalém, uma das melhores traduções a partir dos textos originais em hebraico, aramaico e grego, traz o seguinte texto em Mateus 5:3: “Felizes os pobres no espírito, porque deles é o reino dos céus.” A expressão aqui é “pobres no espírito”, que já não é igual à outra, mas ainda não traz um completo esclarecimento. Por isso, precisamos avançar um pouco mais em nosso estudo.
Jesus não deixou nada escrito, e cada evangelista escreveu o Evangelho segundo o seu entendimento. É assim que Lucas relatou a primeira bem-aventurança de forma um pouco diferente de Mateus: “Felizes vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus.”(2)
Vamos analisar o que os dois evangelistas disseram.
1) Lucas: “Felizes vós, os pobres…”
Quanto à palavra “felizes”, não há nada a comentar, porque ela significa “bem-aventurados”.
Quanto à palavra “pobres”, tudo indica que trata-se do sentido literal da palavra mesmo. De fato, Jesus se dirigia especialmente aos pobres, ou seja, os que tinham poucos recursos materiais, os miseráveis, os oprimidos, os enfermos.
Jesus falava sobretudo aos pobres, e não aos ricos, porque:

  • Os pobres, na grande maioria, devido às suas condições e ao seu sofrimento, eram pessoas humildes e estavam predispostas a aceitar o Evangelho, que lhes trazia consolo e esperança.
  • Os ricos, como os fariseus e os romanos, na grande maioria, eram orgulhosos e estavam mais preocupados com suas posses e poder. Por isso não tinham interesse na palavra de Jesus.
    Contudo, não se pode radicalizar, nem para um lado nem para o outro. Alguns pobres não tinham riquezas materiais, mas tinham a ambição de possuí-las e, por isso, não se interessavam pelo Evangelho. Tanto é que uma parte do povo ajudou na condenação de Jesus à crucificação.
    Por outro lado, havia alguns ricos que não tinham apego aos seus bens materiais e buscavam os bens espirituais, tendo, portanto, interesse nos novos ensinamentos. Um exemplo é Zaqueu, um homem rico que, depois de receber Jesus em sua casa, deu aos pobres metade de sua fortuna.(3) Outro exemplo é Gamaliel, um fariseu e doutor da lei, que sempre demonstrou tolerância e respeito aos seguidores de Jesus.(4)
    2) Mateus: “Felizes os pobres no espírito…”
    Mateus conviveu com Jesus e via que ele falava ao povo simples e humilde. As palavras do Mestre preenchiam as necessidades daquelas pessoas, não as materiais, mas as espirituais, porque Jesus falava da vida futura no reino dos céus. Mateus, então, certamente quis enfatizar este fato e, para isso, usou a expressão “pobres no espírito”, que nada tem a ver com tolos.
    O próprio Mateus, que tinha sido publicano, ou seja, coletor de impostos, tornou-se um apóstolo de Jesus e escreveu o Evange-lho, e não poderia julgar a si mesmo um tolo.
    A palavra “pobre” tem o sentido de carente, de alguém que tem necessidade. Os pobres no espírito, portanto, eram aqueles que tinham carência no espírito, ou seja, que sentiam necessida-de de valores espirituais, e eram humildes o suficiente para reconhecer esta necessidade. Por isso aceitavam os ensinamentos de Jesus.
    Conclusão: Na primeira bem-aventurança do sermão da montanha Jesus se dirige aos que buscam, em primeiro lugar, a riqueza espiritual, muito mais importante que a material.
    Independente, portanto, da condição social ou de ser rico ou pobre materialmente, todos os que procuram os ensinamentos do Evangelho sabem que têm carência de bens espirituais, e é aí que está a sua verdadeira pobreza. São estes os pobres a quem Jesus fala, e é deles o reino dos céus.

(1) Mateus 5:3. (2) Lucas 6:20. (3) Lucas 19:1-10. (4) Atos 5:34-39.

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