Deus não pune a sua criatura
[Fabio Dionisi] fabiodionisi@terra.com.br
Pena, punição, castigo, expiação, palavras que expressam a questão.
Em O Evangelho segundo o Espiritismo, encontramos: “O homem suporta sempre a consequência das suas faltas; não há uma só falta à lei de Deus que não tenha punição.” 1
Nele encontramos que a severidade do castigo é proporcional à gravidade da falta. E que a duração do castigo, para qualquer falta cometida, não tem prazo marcado, uma vez que depende somente do arrependimento do culpado e seu retorno à senda do bem. Mantendo-se no mal, sua pena prolonga-se indefinidamente; mas que é de curta duração caso se arrependa logo. Todavia, não basta o remorso, é necessária a reparação. Esse é motivo pelo qual o culpado passa por novas provas, para que, pelo uso de sua vontade, faça o bem em reparação ao mal que fez.Daí o sentimento de perpetuidade do calceta impenitente.
Obviamente que Deus tem seus mecanismos para acordar a alma que dorme: a dor; uma vez que não quer que sua criatura sofra eternamente.
Allan Kardec continua o item 21 explicando que o Espírito é quem arbitra sua própria sorte; podendo abreviar seu suplício ou prolongá-lo indeterminadamente.
Neste ponto precisamos, também, abordar a Justiça Divina. Para isso, nada mais apropriado iniciar pela obra: O céu e o inferno, ou Justiça Divina segundo o Espiritismo. 2
Mister começarmos, sem medo de errar, afirmando que a Justiça Divina só pode ser perfeita, uma vez que é de Deus.
Além de equitativa é equânime: “A justiça divina patenteia-se na igualdade absoluta que preside à criação dos Espíritos.” 2
Em O céu e o inferno, no capítulo VII, encontramos o Código penal da vida futura. Nele pinçaremos os conceitos que nos dizem respeito.
(item 3º) Absolutamente toda imperfeição gera consequência funesta e inevitável. Sendo que a soma das penas é proporcional à soma das imperfeições.
(item 5º) A alma traz consigo o próprio castigo ou prêmio, onde quer que se encontre, sem necessidade de lugar circunscrito.
(item 7º) Sofrendo pelo mal que fez, sua atenção volta-se para as consequências; desta forma, é levado a melhor compreender os seus inconvenientes e tratar de se corrigir.
(item 9) Todo mal realizado é uma dívida contraída que deverá ser paga; agora ou futuramente. Uma vez quitada, não será cobrada uma segunda vez.
(item 10º) Aqui ou no mundo espiritual, expiamos as faltas cometidas na presente ou em precedentes existências.
(item 11º) A expiação varia segundo a natureza e gravidade da falta, e conforme as circunstâncias, atenuantes ou agravantes, em que for cometida.
(item 13º) O que Deus exige para pôr termo aos sofrimentos é um melhoramento sério, efetivo, sincero, e o retorno ao bem.
Neste ponto, Kardec intervém e explica que Deus, que é justo, pune o mal enquanto ele existe, e deixa de punir quando o mal deixou de existir.
Mas atentem para a sua frase seguinte: “Ou, se quisermos, sendo o mal moral a própria causa do sofrimento, este dura somente enquanto aquele subsiste e a sua intensidade diminui à medida que o mal vai desaparecendo.” 2
(item 16º) O arrependimento não é suficiente; a expiação e a reparação são necessárias.
Arrependimento, expiação e reparação constituem as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e suas consequências.
(item 17º) A reparação consiste em fazer o bem àqueles a quem se havia feito o mal. No caso de deveres negligenciados, volta-se para se cumprir o que não foi realizado.
(item 27º) Protelar não é bom, uma vez que, quanto mais demorarmos para reparar, mais penosa e rigorosa será, no futuro, a reparação.
(item 29º) A misericórdia de Deus é infinita, mas não é cega. Enquanto não houver satisfeito à justiça, o culpado sofre a consequência dos seus erros.
(item 33º) O código penal da vida futura pode resumir-se nestes três princípios: 1º O sofrimento é inerente à imperfeição; 2º Toda imperfeição, assim como toda falta dela promanada, traz consigo o próprio castigo nas consequências naturais e inevitáveis; 3º Podendo todo homem libertar-se das imperfeições por efeito da vontade, pode igualmente anular os males consecutivos e assegurar a futura felicidade.
Neste ponto, façamos uma incursão nas obras ditadas pelo Espírito André Luiz.
No Prontuário de André Luiz 3, no verbete “Justiça Divina”, encontramos uma relação de treze obras onde este tema é abordado!
Em Os Mensageiros, capítulo XIII: “Ponderações de Vicente”, temos o relato sobre um Espírito de médico falido que, quando encarnado, impressionado pelas aquisições monetárias, deslocava a mente das obrigações, mesmo durante suas intervenções cirúrgicas. Notando lhe a irresponsabilidade, muitos atribuíram-lhe a causa da morte física, passando a odiá-lo. Dois deles o esperaram no limiar do sepulcro, atormentando-o após o desenlace físico.
Leiamos um trecho do diálogo entre André Luiz e Vicente: “Se ele (…) não é culpado da desencarnação desses adversários (…), como pode ser atormentado desse modo? (…). — Realmente, não tem a culpa da morte deles. Nada fez para lhes interromper a existência física. Mas é responsável pela inimizade e incompreensão criadas (…), porque, não estando seguro do seu dever, nem tranquilo com a consciência, (…) julga-se culpado, em razão das outras falhas a que se entregou. (…) portanto, ele não resgata crimes inexistentes, mas repara certas faltas graves e aprende a conhecer-se a si mesmo, a entender as obrigações nobres e praticá-las.” 4 (p. 88)
Este caso é interessante, pois atesta que é a nossa consciência a ditar nossa sentença.
As Leis Divinas encontram-se em nossa consciência, ensinou-nos o Espírito que respondeu à pergunta Q. 621, feita por Kardec.
É, portanto, a nossa consciência a nos cobrar os desvios. Uma vez conscientes do erro, sabemos e aceitamos, como natural, a necessidade do pagamento (ressarcimento). O médico reconhece que errou por negligência, e, embora, não tenha deliberadamente matado ninguém, sabe que tinha tudo para fazer melhor.
Dando prosseguimento, sobre a punição e a Justiça Divina, na mesma obra, em “O caluniador”, contamos com a história de Paulo, que destruiu a felicidade do casal Ismália e Alfredo; onde encontramos Paulo ainda em tratamento, apresentando transtornos de longo curso.
A esse respeito, Aniceto explica que: “O criminoso nunca consegue fugir da verdadeira justiça universal, porque carrega o crime cometido, em qualquer parte. Tanto nos círculos carnais, como aqui, a paisagem real do Espírito é a do campo interior. Viveremos, de fato, com as criações mais íntimas de nossas almas.” 4 (p. 172)
A consciência de Paulo o acusa, e ele mantem as imagens das coisas erradas que cometeu, e suas consequências. Ele mesmo se culpa, ele mesmo sente remorso, não conseguindo desvencilhar-se dos efeitos: o sofrimento em decorrência do tormento que seus erros lhes causam.
Deus não decretou que ele sofreria e, muito menos, por quanto tempo. Apenas, estabeleceu leis, e as colocou em todos nós, para que as conhecêssemos e as respeitássemos. Nossa consciência incumbe-se de nos acusar, até que restabeleçamos o equilíbrio.
Embora a Justiça Divina seja, inexoravelmente, exercida, sempre existem atenuantes para quem já conquistou o remorso e se dispôs à percorrer os caminhos do resgate e da regeneração pessoal.
Neste ponto, caso a dúvida ainda perdure (“Deus pune a sua criatura?), leiamos um trecho em O Espírito da Verdade, em “Nem castigo nem perdão”: “Deus é Equidade Soberana, não castiga nem perdoa, mas o ser consciente profere para si mesmo as sentenças de absolvição ou culpa ante as Leis Divinas. Nossa conduta é o processo, nossa consciência o tribunal.” 5 (cap. 82)
Fiquem em paz.
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1 KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Cap. 27. Item 21. São Paulo: Lake, 2016.
2 KARDEC, Allan. O céu e o inferno, ou Justiça Divina segundo o Espiritismo. Cap. 7. São Paulo: Lake, 2002.
3 PINHEIRO, Ney da Silva. Prontuário de André Luiz. 1.ed. Araras: IDE, 1998.
4 XAVIER, Francisco Cândido. Os mensageiros. Ditado pelo Espírito André Luiz. Rio de Janeiro: FEB, 2008.
5 XAVIER, Francisco Cândido e VIEIRA, Waldo. O Espírito da Verdade. Ditado por diversos espíritos. Brasília: FEB, 2008.