A busca do conhecimento e da verdade
[Fabio Dionisi] fabiodionisi@terra.com.br
A busca do conhecimento e da verdade são duas constantes no homem. Somos compelidos a tais procuras porque somos regidos pela Lei Divina do Progresso, em nós depositada pelo Criador por ocasião de nossa criação.
O homem cogita, e quem pensa, questiona, quer saber. E quer saber certo. Enfim, busca o conhecimento e a verdade.
Mesmo que não conscientemente, pois poucos são aqueles que têm essa consciência em vigília, no nosso estado atual de evolução, o homem sabe do seu Criador e para que destino foi criado.
Nos primeiros estágios de nossa jornada, obcecados pela necessidade de atender nossas demandas básicas, unicamente guiados pelos instintos de sobrevivência pessoal e da espécie (instinto de reprodução), caminhamos sem noção, sem nos atentar para aquilo que realmente é importante em nossas vidas. A razão de ser de nossas existências.
O apego às coisas da matéria, a gratificação que se obtêm no atendimento das nossas necessidades prementes, os prazeres que elas nos proporcionam, — aliás, parte do mecanismo este necessário para nossa própria sobrevivência, pois se não houvesse prazer, não haveria a procura pela sua satisfação… —, embora efêmeros e fugazes, obliteram a busca pelos verdadeiros valores e exigências da vida do espírito, como Espírito que é.
Todavia, um dia chega a hora da saturação. Cansado de tantas dores, e do preço que paga pelo atendimento destes prazeres, acorda o Espírito para a sua realidade verdadeira. Somos compelidos a entender o problema do ser, do destino e da dor, como muito bem pontuou o filósofo Espírita Léon Denis.
Exausto da escravidão sufocante que a matéria impõe, pois ela dá, mas pede muito mais em troca, cansado de não conseguir controlar seu destino, saturado de se consumir em quimeras que nunca lhe dão o retorno esperado a longo prazo, o que é compreensível, uma vez que o Espírito foi criado para outros fins, sua essência real divina entra em choque com a vida que não mais faz sentido.
Vivendo desconectado da sua essência verdadeira, esta passa a reclamar por reajustes…
Surge o basta. Advém a conversão. Desperta para a busca daquilo que realmente pode satisfazê-lo. Num primeiro instante, o homem procura exteriormente, pois assim está habituado a fazer. Num segundo, descobre que antes de mais nada precisa realizá-la dentro de si mesmo, através do se conhecer.
Melhorar nos reconduz a estrada que precisamos trilhar. Mas, para isso, carece identificar nossos defeitos. E conhecer, daí, os reais motivadores das nossas imperfeições.
Sem identificar os móveis e gatilhos que nos levam aos nossos pensamentos, sentimentos, emoções, vontades e ações, torna-se difícil alterar a rota, desapegar dos valores e crenças do passado, desvencilhando-se do domínio que a matéria tem sobre nós, com vistas a começarmos a viver, livres, em busca de um novo patamar, mais elevado. Sem isso, retarda-se o retorno ao plano original divino para o qual fomos criados!
Para chegar a isso, reflete, estuda e conclui que o meio mais eficaz para se melhorar é conhecer-se.
“Um sábio da antiguidade vos disse: Conhece-te a ti mesmo” (aforismo inscrito no oráculo de Delfos).
Sócrates, há mais de dois milênios, já havia dito que a melhor maneira de se aperfeiçoar é o autoexame.
Segundo ele, é apenas através da análise de suas crenças e valores que o ser chega ao conhecimento e a verdade.
Fazendo uma analogia, diríamos que este processo torna possível o despertar da própria consciência. O autoconhecimento permite relembrar a verdade (Lei) que está escrita e adormecida em nossa alma; desta forma, através da expansão da consciência, promove-se o aperfeiçoamento; e, como subproduto importante, a autolibertação.
Inicialmente, busca-se a compreensão do porquê da existência do bem e do mal, e a distinção entre ambos, através da análise da realidade externa, ou seja, aquilo que visualiza fora de si, para depois voltar-se para o seu interior, com vistas a se conhecer, para depois reformar-se.
Em outros termos, primeiro o progresso intelectual, que explica e distingue o bem e o mal; depois, com esta compreensão, acrescida do bom uso do livre-arbítrio, a busca do progresso moral.
Vejamos o processo proposto por Sócrates: (1) Ironia (ou arte da interrogação; para se atingir o autoconhecimento) e (2) Maiêutica (para trazer à luz a interioridade do ser, com a finalidade de se reconstruir em bases sólidas nosso conhecimento, crenças e valores).
Num primeiro estágio, o grande filósofo grego da antiguidade buscava que seu discípulo dissipasse todas as ilusões que tivesse sobre o mundo e sobre si mesmo; para isso, utilizava-se da arte da interrogação. Fazendo perguntas sobre perguntas, até que o ser se conscientizasse dos móveis (elemento motivadores) que falamos há pouco.
Uma vez posto à luz o íntimo do discípulo (a descoberto suas crenças, valores, vaidades, vícios, etc.), colocá-lo, num segundo estágio, no caminho do burilamento. Conhecer-se para reformar-se.
Santo Agostinho, também, muito contribuiu para que soubéssemos como fazer esta viagem.
“Se Sócrates nos trouxe, pela primeira vez na história do pensamento, um método de conhecimento que daria origem à autoridade da ciência e a autenticidade dos valores morais, já Agostinho que, sem dúvida recomendou esse método, foi quem na verdade explorou essa busca de interioridade e a exemplificou em si mesmo, pois sempre buscou mergulhar dentro de si e conscientizar-se de seus erros e defeitos, conforme expõe de forma autêntica em Confissões.” 1
No livro Confissões, de Aurélio Agostinho, encontramos: “Quero recordar as minhas torpezas passadas, as corrupções de minha alma, não porque as ame, ao contrário, para te amar, ó meu Deus. É por amor do teu amor que retorno ao passado, percorrendo os antigos caminhos dos meus graves erros.” 2 (lv. 2; it. 1)
Passo a passo, seguindo o roteiro, sempre atual, para o processo de reforma íntima: (a) olhar para dentro de si, (b) face a face, encarar e aceitar os erros e falhas, (c) aceitar-se como falho, sem punir-se, e (d) modificar o que tem que ser mudado.
Não disse Jesus: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”? (Jo, 8:32).
Quando a alma conhece a si mesma, não só descobre seus defeitos, mas também se conscientiza de que é uma substância divinal, individuada.
“Não sabeis que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?” (I Cor, 3:16).
Portanto, os conselhos de Agostinho de Hipona, registrados em O Livro dos Espíritos 3 (Q. 919), ajudam-nos a encontrar um caminho seguro, nesta jornada que se constitui o desvendar de nosso íntimo. Abrir a “Caixa de Pandora” que existe dentro de nós… Já que a única forma possível para vencermos nossas imperfeições é conhecendo-as…
“Muitas faltas que cometemos nos passam despercebidas. Se, efetivamente, seguindo o conselho de Santo Agostinho, interrogássemos mais amiúde a nossa consciência, veríamos quantas vezes falimos sem que o suspeitemos, unicamente por não perscrutarmos a natureza e o móvel dos nossos atos.” 3 (Q. 919)
Esta questão, de voltarmos para dentro do nosso interior, parece ter sido um dos pontos capitais da maneira como ele mesmo empreendeu sua busca religiosa e intelectual.
Santo Agostinho, em sua obra: La Vera Religione (A Verdadeira Religião) registra uma frase que se tornaria muito famosa: “Não vá para fora. Volte para dentro de si. No interior do ser humano reside a verdade.” 4 (it. 39)
Trata-se de “um dos aspectos mais divulgados da filosofia de Agostinho – a maneira como ele vê na busca religiosa e intelectual uma jornada meditativa interior, voltada não para o mundo exterior mas para a consciência”. 5 (p. 116)
Que possa nos servir de reflexão…
Fiquem em paz!
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1 SAYEGH, Astrid. Santo Agostinho e o autoconhecimento. EADE Estudos Avançados de Doutrina Espírita. Novembro, 2010.
2 Coleção Os Pensadores. Santo Agostinho. Confissões. São Paulo: Editora Abril, 1973.
3 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 3. ed. comemorativa. Rio de Janeiro: FEB, 2007.
4 La vera religione. [Disponível em:<https://www.augustinus.it/italiano/vera_religione/index2.htm> Acesso em 08 set. 2024.].
5 PAPINEAU, David. Filosofia, grandes pensadores, principais fundamentos e escolas filosóficas. São Paulo: Publifolha, 2009. Agostinho.
O autor é editor, articulista, escritor, palestrante, jornalista; responsável pelo CE Recanto de Luz – Pronto Socorro Espiritual Irmã Scheilla, em Ribeirão Pires (SP).