O Missionário Agostinho de Hipona. Um ensaio.
Da Filosofia Cristã à Codificação do Espiritismo
[Fabio Dionisi] fabiodionisi@terra.com.br
Certa feita, um mentor espiritual muito querido nos chamou a atenção para o fato de que pouco se fala, nas lides Espíritas, a respeito de Santo Agostinho*. Aguçado nosso interesse, fomos pesquisar esta figura tão importante para o Cristianismo e a Igreja Católica; e, igualmente, chave na Codificação da Doutrina Espírita. 1
Nossa maior surpresa nem tanto foi a vasta obra deixada por este filósofo e teólogo, mas alguns pontos por ele defendidos que já preconizavam conceitos que o Espiritismo consolidaria muitos séculos depois; inclusive, através do próprio Espírito de Agostinho.
Para o Espiritismo, sua importância pode ser avaliada pelas suas comunicações ocorridas no século XIX; das quais, Kardec incluiu aproximadamente 35 nos livros da Codificação e na Revista Espírita. 2
Traços biográficos
Agostinho de Hipona nasceu em 13 de novembro de 354 na cidade de Tagaste (atual Souk-Ahras, Argelia), no antigo reino da Numídia, norte da África; e desencarnou em Hipona, atual Annaba (Argélia), em 28 de agosto de 430.
Filho de Patrício, um pagão, e de Mônica, fervorosa cristã que seria canonizada, posteriormente, como Santa Mônica de Hipona.
Considerado um dos maiores expoentes do pensamento cristão, foi mestre de retórica, escritor fecundo, teólogo e filósofo. Pagão, converteu-se ao cristianismo em 386. Batizado em 387, tornou-se Bispo de Hipona em 396. Em 1298, o Papa Bonifácio Otávio lhe concedeu o título de Doutor da Igreja 3.
Um dos maiores divulgadores do Espiritismo
Com o mesmo empenho que defendeu o cristianismo nascente, combatendo através de cartas, homilias, sermões e livros, os movimentos heréticos (maniqueísmo, donatismo, pelagianismo e arianismo), foi profícuo divulgador dos conceitos Espíritas, no séc. XIX.
“Santo Agostinho é um dos maiores vulgarizadores do Espiritismo. Manifesta-se quase por toda parte. (..) Pertence ele à vigorosa falange dos Pais da Igreja, aos quais deve a cristandade seus mais sólidos esteios.” (Erasto) 1
Importância de Santo Agostinho para o Cristianismo
Após o Concílio de Nicéia (325), surge como um dos grandes nomes da patrística latina 4, sendo considerado o seu mais importante filósofo. Desenvolveu as teses que constituíram a base da filosofia cristã durante séculos, abordando temas como as relações entre a fé e a razão, a natureza do conhecimento, o conceito de Deus e da criação do mundo, a questão do bem e do mal, e a filosofia da história universal.
“Sua importância, como escritor e pensador, é monumental. Ele foi o maior teólogo cristão desde o apóstolo Paulo, e suas idéias moldaram o desenvolvimento subseqüente do cristianismo (..). O pensamento de Agostinho dominou a Idade Média, fornecendo argumentos tanto para a Reforma como para a contra-reforma.” 6
A necessidade de se constituir uma filosofia cristã
Sócrates e Platão acreditavam que qualquer conhecimento só é seguro por meio do “escrutínio da razão”.
Como na época do cristianismo nascente o mundo ocidental continuava impregnado pelas ideias de Platão, houve um esforço constante para se harmonizar a filosofia grega e a fé cristã 6.
Haviam motivos para isso. A Igreja Cristã buscava ser aceita, “mostrar-se intelectualmente respeitável perante o mundo antigo” 6; por isso, os Padres da Igreja 5 buscaram criar uma linguagem e estrutura filosófica, para a religião cristã, a partir da filosofia grega. Nela se apoiaram para construir a teologia cristã.
Segundo Raeper 6:
“Os Padres da Igreja descobriram que tinham de esclarecer questões filosóficas para as quais não havia respostas evidentes na Bíblia. Por exemplo, como Jesus é ao mesmo tempo Deus e homem? A partir do que Deus criou o mundo, de matéria preexistente ou do nada? (..) tinham de voltar-se para a filosofia grega para dela conseguir auxilio em suas especulações a respeito dessas difíceis perguntas.”
Coube a Agostinho importantíssimo papel..
Aspectos proféticos de Santo Agostinho
Fácil de ser comprovado.. Basta nos valermos de suas próprias citações.
Relações com os Espíritos dos mortos 7
Em seu livro Confissões, uma autobiografia, ele comenta sobre seus infrutíferos esforços na tentativa de deixar a vida desregrada que levava; e, que, certo dia, rogando fervorosamente a Deus que o ajudasse, ouviu (..) uma voz que lhe dizia repetidamente: “Tolle, lege; toma, lê”. Como essas palavras não provinham de um ser visível, ficou convencido de ser uma ordem de Deus, determinando-lhe que abrisse ao acaso o livro das Epístolas de Paulo e que lesse a primeira passagem que sob os olhos lhe caísse. Tratou-se da Carta de Paulo aos Romanos (13:13-14)
“Não caminheis em glutonarias e embriaguez, nem em contendas e rixas; mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis a satisfação da carne com seus apetites.”
Uma outra citação sobre a relação com os mortos encontra-se em seu tratado “De cura pro mortuis.” 8
“Os espíritos dos mortos podem ser enviados aos vivos, podem desvendar-lhes o futuro, cujo conhecimento adquiriram, quer por outros espíritos, quer pelos anjos, quer por uma revelação divina”.
E, mais adiante, acrescenta:
“Por que não atribuir essas atuações aos espíritos dos defuntos e não acreditar que a Divina Providência faz um bom uso de tudo, para instruir os homens, consolá-los ou assustá-los?”
Em “Cidade de Deus”, a propósito do corpo lúcido (perispírito, para os Espíritas), trata das operações (..) que o tornam apropriado a comunicar com os Espíritos e os anjos, e obter visões.
Sobre a Reencarnação 7
Em suas Confissões:
“Não teria minha infância atual sucedido a uma outra idade antes dela extinta?… Antes mesmo desse tempo, teria eu estado em algum lugar? Seria alguém?”
Firmando este princípio moral:
“Conforme a justiça divina, aqui neste mundo não pode existir um desgraçado que não haja merecido o seu infortúnio.”
Desta forma, preconizando a razão dos sofrimentos, a causa geral das provações..
Sobre o perispírito 8
“Acredito, portanto, que a alma não poderia existir sem corpo algum.”
E, na carta à Nebrido (390):
“Necessário é te recordares de que agitamos muitas vezes (..) essa questão de saber se a alma não tem por morada alguma espécie de corpo, ou alguma coisa análoga a um corpo”.
Certamente, teve que mudar conceitos..
Como qualquer Espírito, também tem se transformado na mesma medida em que se expande em sabedoria e virtudes.
O homem velho, de Hipona, ressurgiu num homem novo, o das comunicações mediúnicas do século XIX. Num processo gradativo e contínuo de evolução, onde os conceitos corretos são mantidos e os incorretos, corrigidos; face aos conhecimentos novos incorporados.
“Dar-se-á venha Santo Agostinho demolir o que edificou? Certamente que não. Como tantos outros, ele vê com os olhos do espírito o que não via enquanto homem. (..) compreende o que antes não compreendia (..). Na Terra, apreciava as coisas de acordo com os conhecimentos que possuía. (..) Agora pode ele, sobre alguns pontos, pensar de modo diverso do que pensava quando vivo, sem deixar de ser um apóstolo cristão.. 1
Santo Agostinho e as três revelações
Embora limitados pelo espaço de um artigo, acreditamos que seu aspecto missionário ficou evidenciado.
Certamente, trata-se de um enviado de Jesus, com marcante participação nas duas últimas Revelações.
Caro leitor, lamentavelmente chegou a hora de nossa despedida; contudo, aproveitamos nossas últimas palavras para deixar no ar uma dúvida intrigante: qual teria sido seu papel na primeira?
Quiçá, um dia, teremos a resposta..
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* Por uma questão de identificação, mantivemos a designação de Santo.
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1 Kardec, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Cap. 1, item 11.
2 Fernandes, Washington Nogueira. Agostinho de Hipona. Revista cristã de espiritismo. 6ª edição.
3 Título conferido por um Papa àqueles (as) cujos pensamentos, pregações, escritos ou forma de vida engrandeceram o cristianismo.
4 Fase em que foi fundada (inicio da Era Cristã) a teologia da Igreja Cristã e seus dogmas. Obra realizada pelos primeiros Padres da Igreja. 5
5 Mestre doutrinário dos primeiros séculos. Vários Pais da Igreja são também Doutores da Igreja (Santo Agostinho, por exemplo)
6 Raeper, William e Smith, Linda. Introdução ao estudo das idéias. Parte 1, item 3. Edições Loyola. 2007
7 Denis, Léon. Cristianismo e espiritismo. Notas Complementares, No5.
8 Idem, ibidem, No9.