Jesus diante de Pilatos. Meu Reino não é deste Mundo.

[Fabio Dionisi] fabiodionisi@terra.com.br

Ao ler esta passagem, no Evangelho Segundo o Espiritismo1, fiquei imaginando as reações de Pilatos diante dos acontecimentos que culminaram com a crucificação de Jesus. O que teríamos feito no seu lugar? Quantas vezes já não lavamos as mãos diante de situações que não quisemos, ou não soubemos enfrentar?

Pilatos pressentiu a inocência daquele Homem, percebeu a intenção dos Doutores da Lei, quando lhe trouxeram aquela Alma serena, para que ele outorgasse a Sua condenação à morte; mas, infelizmente, não soube fazer bom uso do livre-arbítrio..

Deus, em sua infinita bondade, mesmo considerando que a prova era necessária, que Pilatos passaria por aquela situação, que este teria sido o momento em que ele escolheria qual rumo daria a sua vida – abraçar o caminho da renovação ou dar seguimento à sua vida mundana, já tão comprometida – deu-lhe renovada chance através de duas almas próximas: Claudia, sua esposa, e Lívia, consorte do orgulhoso senador romano Públio Lentulus.

O Pai sempre beneficia o homem com advertências, para que não erre nos grandes momentos de decisão.. No caso de Pilatos, através de Claudia e Lívia. Mesmo levando em conta que as escrituras tivessem que ser cumpridas, para o sucesso da missão de Jesus, isso em nada alteraria o resultado almejado pelo Mestre. Outro teria sido o “meio de quem vêm os escândalos”, e não Pilatos, se ele tivesse tido “ouvidos para ouvir”

Claudia foi o primeiro instrumento para que Pilatos se salvasse da futura ignomínia, ao adverti-lo do sonho angustiante que tivera, na noite antecedente, conforme relatado pelo Evangelista Mateus (27:11 e 19).

“(..) o Governador o interrogou, dizendo: Tu és o Rei dos Judeus? Jesus disse: Tu dizes. (..) Enquanto estava [Pilatos] sentado no estrado, sua mulher lhe mandou dizer: Não te envolvas com esse justo, pois muitas {coisas} sofri hoje em sonho, por causa dele.” 2

De fato, isso chamou a atenção de Pilatos, pois na época se dava muita importância aos sonhos; principalmente se estes tinham um caráter premonitório. Porem, não foi suficiente para que Pilatos fosse firme; se tivesse usado do “sim, sim, não, não”, teria evitado se comprometer com as Leis Divinas, da forma como o fez…

Ele até que procurou se esquivar da decisão que os Doutores da Lei lhe jogaram nas mãos, mas não foi resoluto suficiente para optar entre o certo e o errado. Preferiu “lavar as mãos”…

Intuía a inocência do Mestre, mas muitas coisas estavam em jogo. O medo de perder suas regalias, caso o acontecimento saísse de seu controle e chegasse aos ouvidos de seus superiores.

Liderados pelo sumo-sacerdote Caifás, os Doutores da Lei procuraram dar uma conotação política à prisão de Jesus, para tentar convencer a autoridade romana local, representada então por Pilatos, a lhes darem a autorização para a crucificação de Jesus.

Vejamos em mais detalhes.

Jesus incomodava o “clero vigente” e aos fariseus, pois estes haviam deturpado a Lei Divina que Moises recebera através de sua portentosa mediunidade. Moralmente falando, não a seguiam. Os mandamentos estavam apenas em suas bocas; bons para os outros, mas não para si mesmos..

“Os judeus haviam desprezado os verdadeiros mandamentos de Deus para se aferrarem à prática dos regulamentos que os homens tinham estatuído e da rígida observância desses regulamentos faziam casos de consciência. A substância, muito simples, acabara por desaparecer debaixo da complicação da forma.” 3

Durante os três anos de pregação, em inúmeras oportunidades, nosso querido Rabi chamou a atenção deles para este fato. Tal como dizemos nos dias atuais, “bateu firme” nas suas falsidades. Por isso, procuraram incessantemente um bom motivo para se livrarem Dele..

E, na residência do sumo sacerdote Caifás, após a prisão de Jesus no Monte das Oliveiras, a farsa foi consumada. Vejamos em Mateus (26:57 a 66)

“Os que agarraram Jesus o conduziram ao sumo sacerdote, Caifás, onde os escribas e anciãos estavam reunidos. (…) procuravam um falso testemunho contra Jesus, a fim de o condenarem à morte. E não encontraram, {embora} tivessem se aproximado muitas testemunhas falsas. (…) Jesus, porem, silenciava. Disse-lhe o sumo sacerdote: Exijo jurares pelo Deus que vive, para que nos diga se és tu o Cristo, o filho de Deus. Disse-lhes Jesus: Tu disseste. Todavia, eu vos digo que, desde agora, vereis o filho do homem sentado à direita do Poder, vindo sobre as nuvens do céu. Então o sumo sacerdote rasgou suas vestes, dizendo: Blasfemou! Que necessidade temos ainda de testemunhas? Eis que ouvistes, agora, a blasfêmia. Que vos parecer? Em resposta, eles disseram: É culpado de morte.” 2 

Como os romanos não permitiam que, em seus territórios conquistados, as penas de morte fossem executadas sem a permissão do responsável romano da região, os Doutores da Lei precisaram da autorização de Pilatos.

“Então Pilatos se dirigiu para fora, em direção a eles, e diz: Que acusação trazeis contra este homem? Em resposta, disseram-lhe: Se ele não fosse malfeitor, não te entregaríamos ele. Disse-lhes, então Pilatos: Tomai-o vós e julgai-o segundo a vossa Lei. Disseram-lhe os judeus: Não nos é lícito matar ninguém.” (João, 18:29 a 31) 2

Sabedores que os romanos não se envolviam nas questões religiosas dos povos conquistados, apenas agindo quando o assunto envolvia a estabilidade do governo local, deram um sentido político à acusação, afirmando que Jesus havia cometido três faltas que desafiavam à autoridade romana.

“– A nós não nos é permitido matar alguém – responderam (..) confessando a sua dependência do governo estrangeiro. E logo acodem com três acusações: — Encontramos este homem a amotinar o povo, a proibir de dar tributo a César, e a afirmar que ele é o Cristo, o rei.

Revela essas palavras toda a astúcia daquela gente. Na sessão do Sinédrio ninguém se lembrara de assacar ao Nazareno semelhantes crimes políticos; tinham-no declarado réu de morte a título de blasfemo. Diante da autoridade civil, porém, (..) vêm com acusações de caráter político-social. (..) apanha Pilatos, de relance, a alma da questão: as pretensas aspirações realistas de Jesus. (..) deixou, pois, de parte, os dois primeiros capítulos da acusação e limitou-se a investigar o ponto principal: a realeza de Jesus.

— És tu rei dos Judeus? – perguntou-lhe (..).” 4 (os negritos são meus)

A trama toda girou, portanto, em torno do suposto reinado. Tanto que Pilatos só se ocupou deste ponto.

Ele não viu ameaça em Jesus, mas procurou evitar que o acusassem de não estar defendendo os interesses de Roma. Ignorando duas das razões apresentadas, de somenos importância, focou apenas aquela que poderia se constituir num problema; daí a pergunta: És tu rei dos judeus?

Pergunta que repetiu duas vezes, para se certificar da resposta; mais, para aqueles que o acusavam, do que para si mesmo, pois não via culpa em Jesus..

E, Jesus, sábio, perspicaz, responde:

“Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo…” (João, 18:36) 2

Mas voltemos às advertências com que Pilatos foi abençoado naqueles dias..

Segundo Emmanuel 5, na época reencarnado como Públio Lentulus, Lívia também procurou interceder por Jesus. Não conseguindo fazê-lo através de seu esposo, devido ao problema conjugal que passavam **, procurou Pilatos. Contudo, encontrou nele apenas o homem devasso. Mais interessado em se aproveitar daquela mulher linda e frágil, do que dar ouvidos a segunda grande oportunidade concedida pelo Pai misericordioso, fez-se, assim, instrumento do cumprimento das escrituras…

“Ai do mundo por causa dos escândalos; pois há necessidade de virem os escândalos; contudo, ai daquele homem por meio de quem vêm os escândalos.” (Mateus, 18:7) 2

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* Para detalhes, recomendamos a leitura do Livro “Há dois mil anos”, do Espírito de Emmanuel.

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1 KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. 2. Item 1.

2 O Novo Testamento. Tradução de Haroldo Dutra Dias. Edição do Conselho Espírita Internacional. 1ª edição. 2010.

3 KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. 8. Item 10.

4 XAVIER, Francisco Candido. Pelo Espírito de Emmanuel. Há Dois Mil Anos. Cap. VIII. 29ª edição. FEB

5 Idem, ibidem. Cap. IX.

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