Jésus Gonçalves. A difícil redenção de Alarico I

[Fabio A. R. Dionisi]
fabiodionisi@terra.com.br

Nosso primeiro contato com Jésus Gonçalves ocorreu através de estudos sobre a vida de Santo Agostinho.
Ao tomarmos conhecimento da forma como Alarico I entrou e saqueou Roma (410 d.C.), sem, contudo, profanar as igrejas cristãs e nem massacrar quem estivesse nelas refugiado, atendendo, muito a contragosto, o pedido feito por Santo Agostinho dias antes da invasão, acabamos nos embrenhando na vida desse visigodo, e descobrindo que ele retornou como Alarico II e Cardeal Richelieu.
Posteriormente retornaria mais duas vezes; em ambas padecendo do mal de Hansen. Desconhecemos detalhes da primeira, mas sabemos que na segunda voltou sob a tutela de Santo Agostinho, para continuar purgando os males de sua alma, e de forma a quitar parte das suas dívidas para com a humanidade.
Nascido no dia 12/07/1902, em Boreri (SP), desencarnaria em Itu (SP), na data de 16/02/1947. Sua transformação foi marcante; de ateu convicto, à Apóstolo de Pirapitingui.
Mas, antes de falarmos a seu respeito, em poucas linhas traçaremos a sua trajetória; dos desastres morais à rearmonização com a sua consciência.
Alarico I (c. 370 – 410 d.C.)
O Império Romano vivia intensa decadência. A luxúria, a libertinagem, a corrupção e a total inépcia dos seus últimos imperadores, de há muito haviam enfraquecido seu poderio.
Bárbaros e mercenários juntavam-se aos exércitos romanos, com o fito de se aproveitarem de sua fraqueza. Entre eles, um líder dos visigodos, chamado Alarico I, fazia promissora carreira militar.
Após assimilar as técnicas do exército, com a morte do Imperador Teodósio I (395 d.C.), vira-se contra Roma. Após fulminante ataque, captura Constantinopla. Invade a Grécia e saqueia a Ática. Poupa Atenas, mas ajoelha Corintos, Argos e Esparta.
Ambicioso e vaidoso, seus únicos interesses eram as conquistas territoriais e as riquezas pilhadas.
“Sua personalidade reunia qualidades de grande líder e disciplinador, mesclados à prepotência e à perversidade (…). Por onde passasse, deixava em seus rastros a viuvez, a orfandade, em traços de selvageria. Mesmo às cidades subjugadas, Alarico impunha seus requintes de maldade e de sadismo, incendiando-as, promovendo os aleijões, ceifando vidas”. 1 (p. 13-14)
Seu retorno ao Mundo Espiritual foi marcado por indescritíveis sofrimentos. Mesmo depois de ser resgatado das trevas, por ter transgredido incontáveis vezes as Leis Divinas, suas angústias e visões terrificantes das vítimas continuavam a mortificá-lo, dia e noite.
Alarico II (? – 507 d.C.)
Réu da própria consciência, reencarna após suplicar, por muito tempo, uma nova chance. E, curiosamente, no ano de 484 d.C., torna-se o oitavo rei dos visigodos.
Embora já menos cruel, sinal do avanço do Espírito, não consegue, ainda desta vez, refrear as inclinações ambiciosas de seu caráter primitivo, pondo a perder, novamente, seu programa redentor.
Mantinha ainda sua irrefreável ambição e vaidade. “As guerras e as conquistas territoriais continuavam sendo seu móvel principal. (…) continuava governando pelo poder da força e do terror”. 1 (p. 23)
Cardeal de Richelieu (Paris, 1585 – id. 1642)
Por ter nascido em uma família arruinada, a sua via seria a carreira militar, como era costume na época, porém, desta vez escolheu a vida religiosa.
Ascendeu rapidamente. Em 1606, tornou-se Bispo de Luçon. Deputado, representou o clero nos Estados Gerais, em 1614.
Apoiado por Maria de Médicis, mãe do monarca Luís XIII, acompanhou-a em seu exílio (1617-1618). Chamado de volta, logra a reconciliação do rei com a mãe, o que lhe valeu tornar-se Cardeal de Richelieu, em 1622.
Fiel auxiliar, entra para o Conselho do Rei no mesmo ano, e é elevado ao posto de Primeiro Ministro dois anos depois.
“Um dos mais notáveis estadistas franceses do regime monárquico, foi odiado e temido por todas as camadas da sociedade (…). Defendeu o absolutismo real e contribuiu para a grandeza da monarquia. (…) esmagou as resistências na área de administração pública e proporcionou (…) ignominiosos espetáculos de sangue com a decapitação de inúmeros oponentes de seu governo”. 1 (p. 25)
Durante 18 anos, foi o segundo homem mais poderoso da França. Soube dominar todas as conspirações engendradas, ou supostamente existentes, contra Luís XIII, bem como tornar-se implacável árbitro da política europeia. Entre outras ações, foi um dos responsáveis diretos pela guerra dos Trinta Anos.
Doente, sem conseguir levantar de seu leito no Palácio Real, o grande defensor da Pátria, que não hesitou cometer crimes hediondos para protege-la, desencarna aos 4 de dezembro de 1642.
Outro naufrágio…, contudo, pelo menos, “amenizara em si as inclinações ambiciosas da dominação do poder pela força, mas ainda carregava dívidas das insânias cometidas em outras vidas”. 1 (p. 25-26)
E assim, aos golpes sucessivos da vida que ensina, o Espírito foi abrandando seus pendores para o mal, ascendendo espiritualmente…
Primeira reencarnação compulsória, como hanseniano
Rogando a Deus o refrigério às chagas incrustadas em sua consciência, para curar suas enfermidades morais, a ambição, a vaidade, e a falta de respeito aos direitos dos seus irmãos, “duas reencarnações compulsórias foram-lhe impostas para expurgar os delitos inscritos no Livro da Vida”. 1 (p. 26)
E assim, retorna ao solo terrestre para enfrentar a terrível e humilhante lepra. Da primeira reencarnação, pouco sabemos; mas sobre a segunda encontramos material rico, exemplificando os caminhos redentores de um espírito realmente disposto a empreender sua sublimação.
Jésus Gonçalves (1902-1947)
“(…) quero informar-te de que está sendo preparado teu retorno ao plano físico. A constância da oração (…) varou distâncias incomensuráveis e encontrou eco em um coração amigo que a séculos te é grato (…). É o Espírito de Agostinho (…)”. 1 (p. 30)
E assim, sob a proteção do mesmo Agostinho, reencarna no pequeno vilarejo de Boreri.
Muito cedo perde os genitores. Órfão de ambos, transfere-se para Bauru, no ano de 1919. No seguinte, casa-se com a viúva Theodomira de Oliveira, com que tem quatro filhos. No mesmo ano que se descobre portador do mal de Hansen, desencarna sua esposa (1930). Dois anos depois, casa-se com Anita Vilela; cerca de um ano antes de ser internado no Asilo-Colônia Aymorés, em Bauru. Mesmo local aonde seria hospitalizado seu primogênito, portador da mesma moléstia.
Em 1937, pai e filho transferem-se para o Hospital-Colônia de Pirapitingui. Embora não portadora do mal, Anita também lá se abriga, até desencarnar quase seis anos depois, vítima de câncer no útero. Foi o início de sua conversão; do ateísmo para o Espiritismo.
Em 1943, consorcia-se com outra interna, Isabel Laureano (Ninita).
Idealiza, funda e passa a presidir a Sociedade Espírita Santo Agostinho, dentro do hospital-colônia.
É de sua lavra o livro Flores de Outono, publicado em 1947; ano em que desencarnaria, regressando à Pátria Espiritual, já conhecido como Apóstolo de Pirapitingui.
Nossa reflexão
A escalada espiritual já é, por si só, muito complicada; contudo, torna-se muito mais difícil quando deixamos que o orgulho, a vaidade, ou qualquer outro desvio moral, guie nossas existências. O retorno, ao caminho correto, com os respectivos reajustes e resgates, é certo e cristalino. Cedo ou tarde, acabamos nos defrontando com a necessidade de refazermos nossos passos. As dores serão muito acerbas, a tal ponto que somente com heroísmo e determinação poderão ser enfrentadas. E, a bem da verdade, não é sensato postergarmos o nosso realinhamento com as Leis Divinas, pois mais choro e ranger de dentes teremos que suportar.
Fiquemos na paz que Jesus nos deixou.


1 MONTEIRO, Eduardo Carvalho. A extraordinária vida de Jésus Gonçalves. 4. ed. S. B. do Campo: Edições Correio Fraterno, 1986.

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